ℭ𝔞𝔭𝔦𝔱𝔲𝔩𝔬 37

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                                                                                Caliban POV'S

     Sabrina se levantou num pulo. Quando olhou para Lilith, parecia estar com a visão embaçada, como alguém que acabava de recordar algo, e repassava a cena mentalmente.

    — Fiz um acordo com eles antes de partirmos em busca das regalias — ela disse, por fim. — Como diabos eles poderiam ter nos traído? 

    Algo em mim vibrou com a pequena possibilidade de ainda haver esperança. O acordo entre eles nunca pesou em minha consciência. Há muito, eu havia me esquecido até mesmo de que ele tinha sido feito. Não achava que o usaríamos algum dia.

    — Eles foram atrás das assinaturas infernais antes de irem até você, então, não tiveram a chance de te trair... Ainda. — Lilith acrescentou a última parte em tom decidido, enquanto se levantava também. — Não se engane por isso, ainda são trapaceiros! Acredito que tenham arrumado algum jeito desleixado de burlar o trato, e que planejavam a traição para depois que conseguissem o cálice.

    Minha respiração imediatamente ficou mais pesada. Tentei não me aborrecer ainda mais, fechando as mãos, e permitindo que minhas unhas se cravassem em minha pele. Apenas assim eu conseguia me distrair da vontade enlouquecedora de desfigurar Lilith. 

     Traidores. Como ela ousava chamá-los assim?

    — O acordo dizia que a traição poderia ter punição de morte. — quando me levantei, a mulher à minha frente me encarou com desdém. — Eles tem autopreservação o suficiente para não ousarem cogitar essa ideia louca!

     Enquanto eu tentava defender a honra deles, Sabrina se limitou a apenas balançar a cabeça, em concordância. Estava pensativa, e não do jeito que eu tanto admirava.

     — Me tire algumas dúvidas, Caliban... — disse Lilith, em seu tom ardiloso e maligno. — Aonde estão seus amigos agora? Eles chegaram a mencionar que receberam uma intimação, e que deveriam ter vindo aqui há alguns dias?

     Não deixei que ela tivesse o prazer de saber que eu havia sido pego de surpresa. Mesmo que estivesse visualmente impassível, a palavra "intimação" ecoou em minha mente, acompanhada de muitas outras dúvidas. Por que não haviam nos contado? Por que não vieram e negaram todas as acusações? Por que não pediram a ajuda de minha namorada para livrá-los desse engano absurdo?

   — Maxon entrou em período bestial. — ainda não tinha certeza se estava tentando convencer a Lilith ou a mim mesmo.

    — Acho que até mesmo você pode notar que isso é bem conveniente para eles. — a mulher riu, voltando a olhar para Sabrina, e me ignorando como se eu nunca tivesse lhe dirigido a palavra. — Sabe o que deve fazer! — Por um rápido instante, eu enxerguei cautela em seu olhar. Então, todo o seu ser explodiu em sombras, desaparecendo de forma teatral.

    Ficamos algum tempo em silêncio, apenas ingerindo tudo que havia acabado de acontecer. Ainda não havia me recuperado por completo quando Sabrina começou a agir, chamando alguns demônios que estavam de guarda nos cantos inferiores do salão. Tudo que eu escutava e via parecia um pouco nebuloso, desgastado. De repente, parecia que o mundo passava na frente de meus olhos, enquanto eu apenas queria ficar imóvel para sempre.

    "Ramona e Maxon não poderiam ter planejado uma traição, eles nunca fariam isso." era a única frase coerente que estava sendo capaz de formar. Entretanto, não conseguia dize-la em voz alta. 

   — Certo. Iremos capturá-los, vossa majestade! — A voz insuportavelmente entusiasmada do chefe dos guardas me chamou atenção. Tive vontade de arremessá-lo tão forte no chão, que faria um buraco no solo. — Sigam-me! — sua marcha foi imitada pelos outros, que rapidamente sumiram do alcance de meus olhos.

    Sabrina estava pronta para sumir também, quando me movi pela primeira vez, encostando em seu ombro magro. Ela não se mexeu, muito menos disse algo.

   — Isso é uma loucura, Brina... — me aproximei. — Você realmente acha que eles seriam capazes de fazer isso? São nossos amigos.

   — Não é loucura. — ela se virou, olhando diretamente em meus olhos. — Você mesmo estava suspeitando deles há alguns dias, o que mudou?

   — O que mudou? — eu repeti, com descrença. — Agora eles estão sendo acusados de traição, agora eles estão sendo submetidos as consequências de algo que nunca fizeram. Eles nunca foram ambiciosos, nunca quiseram poder.

    — Caliban... — começou, reivindicando toda a calma que conseguia. Porém, havia angústia em sua voz, um torturante pesar. — Você sabe o que aquele cálice faz, amor? O mesmo cálice que nossos "amigos" pediram para usar uma vez antes de ser devolvido, em pagamento pela ajuda? — Eu balancei a cabeça, como uma evidente negação. — Qualquer pessoa que o tenha nas mãos, tem direito a um pedido. Quando aceitei o acordo, nem mesmo cogitei que eles poderiam pensar no trono. E, quanto mais os conhecia, menos eu desconfiava deles, menos achava que poderiam desejar o poder entre tantas possibilidades. Fiquei tão surpresa quanto você quando Lilith nos mostrou as assinaturas que eles tentaram conseguir. Doeu em mim, assim como doeu em você.

    Suas palavras certeiras acabaram com qualquer argumento que eu poderia pensar. Ela estava fodidamente certa, mesmo que isso machucasse.

   — O que você vai fazer quando encontrarem eles? — foi tudo que minha dignidade permitiu que saísse de minha boca.

   — Se eles realmente forem culpados... — ela me encarou como se pudesse ver todos os receios escritos em meu rosto, como se sentisse muito. — farei o que deve ser feito.

    Me lembrei do garotinho de cabelos escuros que costumava brincar comigo quando ainda éramos crianças. O garotinho que se transformava em um pequeno coiote de sombras, o garotinho que era meu irmão. 

    Me lembrei do adolescente rebelde e carrancudo que me ajudava a cuidar dos ferimentos que Astrides infringia como castigo sempre que podia. 

     Me lembrei também, do adulto que se tornou o meu melhor amigo.

   — Não — sem que eu percebesse, a súplica escapou de meus lábios. — Por favor, não.

       Me lembrei da moça de olhos cinzentos que eu havia conhecido ainda jovem, a moça que ensinou todos os meus melhores xingamentos. 

        A moça que fez meu irmão sorrir, que nunca o deixou sozinho.

        A moça que havia sido minha única referência de amiga durante toda minha vida.

   Sabrina sorriu fraco, deixando um tapinha em meus ombros, antes de sair andando rápido. Estava tentando esconder as lágrimas que molhavam seu rosto.

       Não!

      Ramona e Maxon não poderiam ter planejado uma traição, eles nunca fariam isso.

      Ramona e Maxon não poderiam ter planejado uma traição, eles nunca fariam isso.

     Ramona e Maxon não poderiam ter planejado uma traição, eles nunca fariam isso... fariam?





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⏰ Última atualização: Sep 19, 2021 ⏰

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𝐇𝐞𝐫𝐝𝐞𝐢𝐫𝐨𝐬 𝐝𝐨 𝐢𝐧𝐟𝐞𝐫𝐧𝐨Onde histórias criam vida. Descubra agora