Segundo ano, Ensino médio. (Depois das Férias de Verão)

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O quarto estava mergulhado em uma intensa penumbra, assim como minha mente, meus olhos fitavam o teto e meu corpo parecia tomado por uma inércia imutável, respirei fundo três vezes e depois novamente mais três, não sentia meu coração batendo, não havia um único pensamento em minha cabeça, tudo o que eu sentia era nada. Então as lembranças voltaram, me acertando como um míssil, atingindo cada parte do meu corpo, primeiro minha cabeça que iniciou pensamentos controversos e desoladores, depois meu coração que foi bombardeado com uma dor que dificultava até minha respiração, então depois o resto do meu corpo também foi atingido e eu sentia como se ainda estivesse acontecendo, suas mãos pelo meu corpo, segurando meus pulsos com uma força esmagadora, afagando o meu intimo como se quisesse alcançar minha alma, aquele cheiro de cigarro e bebida estavam presentes de novo, eu revivia cada sentimento, cada dor insuportável e cada lagrima que suplicava que aquilo parasse. Então parou, as lembranças foram embora fugindo da minha mente, era como se nunca realmente tivesse acontecido, mas aconteceu e eu sabia que as lembranças voltariam e me assombrariam para o resto da vida.

Decidi que não iria para escola naquele dia, não iria levantar da cama se possível, ainda era difícil encarar tudo com normalidade, ainda sentia como se a vida não tivesse sentido, porque realmente não tinha.

Durante as horas seguintes eu dormia e acordava na maioria das vezes tendo pesadelos, então decidi me levantar. Fui direto para o chuveiro, o que eu achei que seria bom para aliviar a tensão do meu corpo, mas assim que me encontrava nu mais lembranças vieram a minha mente, senti meu corpo ceder e eu cai no chão me encolhendo inutilmente. Quando as lembranças foram embora novamente, me sentia completamente suja então liguei o chuveiro e me sentei no chão me encolhendo com meu queixo nos joelhos tentando pensar em qualquer outra coisa.

Eu queria ficar ali para sempre, mas agora eu me sentia completamente desconfortável sem minhas roupas, então voltei para o quarto e me arrumei rapidamente, desci as escadas sabendo que não encontraria meu pai em lugar nenhum, ele ainda estava na sua viagem de férias, eu havia voltado mais cedo, depois de inventar milhares de desculpas para minha mãe.

Comi um cereal que tinha no armário e fiz um café bem forte, me sentei no sofá e não tinha a mínima vontade de assistir TV, tudo naquele momento parecia banal, ridículo, Tv, música, internet, tudo.

Senti meu peito se apertar e lagrimas escorreram dos meus olhos, eu me sentia banal, sentia como se não fosse nada além de uma pobre adolescente sofrida. Não conseguia controlar meus soluços, eu apenas deixava as lágrimas rolarem para tentar ao menos aliviar a dor que eu sentia por dentro, mas não parecia o suficiente.

Escutei uma batida na porta e me sobressaltei, quem poderia ser?

Limpei minhas lagrimas rapidamente, lutando para que outras não rolassem, era uma batalha de deuses, me levantei e finalmente abri a porta sentindo um choque em todos os átomos do meu corpo.

- Mel, tudo bem? – Peterson me analisava estranho.

Eu ainda não tinha conseguido desfazer minha mascara de espanto, porque ainda não conseguia processar os fatos.

Durante todo o meu tempo de sofrimento não tinha pensado um segundo sequer nele, e agora que ele estava parado na minha frente meu sofrimento pareceu se triplicar, era simplesmente insuportável.

- Mel? – Perguntou preocupado, lagrimas rolaram dos meus olhos sem perdão – Amor, o que você tem? – Ele se aproximou me aconchegando em seus braços e isso me fez chorar ainda mais, não podia ser assim, eu tinha que ser forte o suficiente para esconder isso dele, ele não podia saber, eu não conseguiria contar e ele me trataria completamente diferente se soubesse.

Ele me abraçou em silencio esperando que eu me recuperasse, quando minhas lagrimas pareciam que iam parar eu imaginava tudo o que ele me perguntaria logo em seguida e elas voltavam ainda mais fortes.

- Mel, me diz o que você tem pelo menos, eu quero te ajudar – Suplicou ele, parecendo um pouco choroso.

Eu simplesmente não conseguia e nem queria parar de chorar e imaginei por quanto tempo seria possível alguém chorar sem parar.

- Tudo bem – Disse baixinho me abraçando mais forte – Eu amo você, vai ficar tudo bem, eu amo você – E ele repetiu até que eu parei de chorar.

Controlei-me com todas as minhas forças para manter as lembranças longe da minha cabeça.

Ele me olhou nos olhos e me trouxe para dentro da casa fechando a porta atrás de nós.

- O que aconteceu? – Finalmente perguntou.

Senti as lágrimas voltarem, mas dessa vez elas eram mais amenas, não consegui dizer nenhuma palavra sequer.

- Não quer falar? – Insistiu me fazendo olhar em seus olhos – Porque não?

- Eu não consigo – Sussurrei depois de um esforço tremendo.

- Foi alguma coisa que eu fiz? – Perguntou de novo.

Apenas neguei com a cabeça.

- Foi alguma coisa que aconteceu nas férias?

Eu não respondi e as lagrimas voltaram com mais força agora.

Peet me abraçou novamente, senti lagrimas caírem de seus olhos e eu me apertei ao seu corpo o máximo que eu pude.

Ele me pegou no colo e me levou ao andar de cima, entramos no meu quarto e ele me colocou na cama se deitando ao meu lado logo em seguida, me abraçou como se pudesse curar qualquer coisa e ficamos assim por muito tempo.

Não me abandoneOnde histórias criam vida. Descubra agora