Cap. 01 [ Primeira vida - Confissões e narcisos ]

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Hoje é o meu aniversário de trinta anos e eu ainda ganho o mesmo presente todos os anos, solidão, o meu marido me enviou um buquê de narcisos este ano, na linguagem das flores significa egoísmo, o amor frívolo... só seria decepcionante se Cristian não me enviasse buquês com diversos significados todos os anos, prímulas, tulipas amarelas, ibéris e tantas outras, mas nenhuma delas tinha o significado que eu gostaria que tivessem.

Mesmo assim eu ficava feliz quando as recebia, desde criança a minha primavera sempre foi uma data significativa, era o único dia do ano em que eu ganhava um presente escolhido a dedo pelo meu marido indiferente, e não pelo seu mordomo, eles eram a prova de que Cristian ainda pensava em mim, mesmo que as suas escolhas tivessem apenas a intenção de me ferir. Nessa data eu apagava o aniversário da morte de mamãe e focava toda a minha atenção no buquê que Cristian escolheria.

Essa ideia distorcida é um dos frutos apodrecidos de uma obsessão antiga, que se apoderou da minha consciência no momento em que os meus olhos se encontraram com os dele, levou apenas uma fração de segundos para eu esquecer completamente de mim, de quem eu era, e essas flores que me satisfaziam em uma época nebulosa, realmente me machucaram e eu não tive coragem de revidar.

Estou deitada em uma cama desconfortável no ducado Owen, ao lado do buquê de narcisos, enquanto os presentes de papai estão amontoados ao meu redor, e embaixo dessas cobertas frias há uma espada, a minha única companheira em um mar de solidão, eu devo ter pulado a parte em que eu estou morrendo, oh céus, o meu maior temor me assombra até no meu leito de morte, e me faz conversar com objetos.

Solidão, sempre tive medo de estar sozinha, de ficar sozinha, de morrer sozinha... e no fim desta vida percebi que esse é o meu final ruim. Divagações tolas ficam girando na minha cabeça, elas me perguntam o que eu conquistei, qual coração palpitou quando eu passei, que marca eu deixei... Serei varrida deste mundo como um inseto insignificante, sem ao menos ter dado continuidade ao legado da família Normand, tudo terminará comigo, não fui amada e me pergunto sinceramente se amei... Papai não conta! Estou falando de romance!

O meu corpo me diz que se eu fechar os olhos agora deixarei este mundo para sempre. Narcisos, uma cama fria e um quarto luxuoso, repleto de presentes inúteis, eu cresci achando que apenas coisas caras e belas tinham algum valor, chega a ser hilário um fim ser tão vazio e tão poético.

Dizem que quando você está morrendo a sua vida inteira passa diante dos seus olhos e é exatamente isso que está acontecendo comigo agora, mamãe está sorrindo para mim, essa foi a única vez que a vi sorrir quando ela estava viva, eu tinha apenas oito anos na época, lembro vagamente da sua figura e nunca visitei seu túmulo.

Ela morreu em um acidente de carruagem ao lado da duquesa Biancasta, mãe de Cristian, e eu sempre as odiei por isso, nós estávamos no jardim do Marquesado Normand, eu, mamãe, papai, Cristian e a duquesa, mamãe se aproximou de mim, sorriu lindamente e beijou minha testa, então ela virou as costas e entrou na nossa propriedade com a duquesa, o sol brilhava, Cristian estava sério como sempre e eu estava reclamando com papai, para ele fazer Cristian me dar atenção.

Lembro perfeitamente do que Cristian usava naquele dia, de cada detalhe do seu traje anil, até da quantidade exata de botões de ouro que ornamentavam elegantemente suas vestes, até o modo em que o seu lindo cabelo estava penteado... todos os detalhes do meu príncipe seguem vívidos na minha memória até hoje, mas de mamãe eu só me lembro do sorriso, não lembro o que ela ou a duquesa estavam vestindo, ou como se pareciam, apenas e tão somente o sorriso de mamãe, para lembrar do seu rosto eu teria que mirar novamente um de seus retratos que estão no marquesado Normand, e faz uma década que não ponho os pés lá, além disso os retratos de mamãe estão sempre cobertos com cortinas por causa de papai, ele não consegue segurar as lágrimas até hoje, porém se recusa a retirá-los das paredes.

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