Cap. 49 [ O olho do servo - Um ano com você ]

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Depois de desaparecer diante de mim eu não voltei a ver Calíx, um ano se passou e eu estou no escritório dele agora, estou tentando decifrar seus livros, mas a sua biblioteca inteira está em códigos para mim.

Passo a maior parte do tempo desenhando e escrevendo cartas de amor para Cristian, mesmo sabendo que ele nunca as receberá.

Toda vez que vou na sala de jantar um novo banquete está posto na mesa como mágica, ele muda três vezes ao dia com uma variedade insana de alimentos, além disso, eu estou dormindo na cama de Calíx agora, é muito confortável e quentinha, não consegui resistir a ela.

Toda vez que eu coloco a cabeça no travesseiro e olho pra cima vejo o prato dourado que eu costumava ficar, é muito esquisito ter a mesma vista que Calix tinha quando dormia aqui, mas aí eu começo a pensar em Cristian e deixo pra lá.

Eu sempre sinto a presença de Calíx pela mansão, sua respiração perto de mim, seus dedos em meus cabelos quando estou deitada, marcas de mãos pelas minhas roupas, pegadas pelo chão... e por falar em mansão eu não preciso mais limpar nada, todos os dias quando acordo ela está perfeitamente ordenada e brilhando, mesmo que eu tenha quebrado tudo no dia anterior, já fiz isso muitas vezes, é o tédio.

O tempo lá fora mudou, uma paisagem verde e florida me encanta toda vez que eu passo pelas janelas, é estranho pois já se passou um ano e desde que Calíx sumiu o clima lá fora é sempre agradável agora.

O olho do servo ainda está na minha testa e eu ainda estou sobre a influência das ordens dele, mas agora eu uso vestidos lindos e sapatos caros no lugar da roupa duvidosa de empregada que eu usava antes, há um cômodo gigante com as roupas mais belas que eu já vi e eu estou vestindo uma delas agora, além de ter um cômodo exclusivo na mansão para as joias mais estravagantes do mundo, Calíx tem um gosto muito exagerado quando se trata de joias.

Todos os dias eu falo sozinha de noite, eu termino o meu jantar, tomo umas taças de vinho e subo descalça na luxuosa mesa em que o banquete é servido, fico passeando entre a comida e contando para o nada a minha história, eu nem penso mais sobre o meu medo de altura e tenho certeza que Calíx sempre está presente quando eu começo a falar.

Então eu contei tudo pra ele, tudo o que aconteceu comigo durante esses mais de duzentos anos em que eu estive retornando, foi muito estranho, pois foi diferente de quando eu contei a Cristian minhas quatro vidas, dessa vez eu não tinha que provar nada pra ninguém, não precisei encarar um olhar julgador e não tinha um tempo limite.

Eu não estava sobre pressão e tinha ainda mais coisas para falar, eu pude me abrir aos poucos e contar exatamente tudo o que eu senti desde a minha primeira vida, e não demorou algumas horas para isso acontecer, foram meses de histórias na ordem cronológica correta de todas os fatos que aconteceram nas minhas vidas, um pouquinho de cada vez, sempre que eu me sentia confortável para fazê-lo.

Eu sinto no fundo do meu ser que devia isso a Calíx e paguei essa dívida, pois eu nunca soube que tinha alguém consciente do loop assim como eu e ele merecia saber como tudo isso começou e o que de fato aconteceu, além disso eu ainda estou sob o poder do olho do servo, não posso mentir, o que incrivelmente me deixou ainda mais relaxada e aliviada ao falar.

Tive muita vontade de machucar Calíx esses dias, quando entrei no escritório dele as minhas centenas de cartas de amor para Cristian estavam picotadas, elas cobriam de branco o chão do escritório.

— Eu quero machucar você Mestre! Vamos! Apareça! Vou bater um pouco em você! Não se preocupe, você não morrerá com isso!

Tentei colá-las em vão e dormi com o máximo que eu pude, mas quando acordei no dia seguinte minhas cartas de amor picotadas tinham desaparecido e a mansão estava brilhando como sempre.

Estou contando a Calíx como me senti quando eu atirei a coroa de flores na multidão e ela caiu na cabeça de uma menininha fofa durante a comitiva até o palácio principal, eu estou escutando Calíx rir nesse exato momento.

— Então eles jogaram tantas pétalas em mim que acabei engolindo algumas e quase morri engasgada, e enquanto eu tentava não morrer escutei alguém gritar: "É um milagre! Tem flores saindo da boca da Santa!"

— Hahahaha!

Estou caminhando em cima da mesa agora, comendo uvas e gesticulando enquanto narro, é estranho pois não estou com medo da altura, normalmente eu estaria apavorada.

— Não ria mestre, eu quase morri mesmo! E não sei como não me desequilibrei em cima de tantas flores e...

Céus, me desequilibrei aqui e estou caindo de verdade, mas Calíx me segurou no colo, ele apareceu pra mim pela primeira vez depois de um ano e eu estou encarando seus olhos púrpuros agora, eles estão se mesclando com a cor rosa, Calíx parece bem, está me fitando enquanto estou em seus braços.

— Você tem raiva de mim Lili?

Ele está me encarando com um olhar triste, porém sua voz está tranquila.

— Um pouco mestre, afinal, você tentou me estuprar duas vezes, mas também lhe entendo, não sei pelo que o mestre passou nessas décadas, mas de uma coisa eu tenho certeza, o mestre deve ter sofrido tanto quanto eu.

— Um dia eu também vou te contar tudo, não me chame mais de mestre, me chame pelo meu nome, Calíx.

— A Keiko está bem Calíx?

— Ela está dormindo dentro de mim, desde que eu a absorvi, a alma dela está intacta.

— Papai e Claire?

— ...

— Cristian?

— ...

Ele está mordendo os lábios e olhando para o lado.

— Calíx.

Ele voltou a me olhar quando chamei pelo seu nome.

— Não tem mesmo raiva de mim Lili?

— Eu já respondi a essa pergunta e a minha resposta ainda é a mesma, mas e você Calíx, tem raiva de mim?

— Não mais...

— Você não tem raiva de mim Calíx? – Eu pergunto surpresa.

— Não, o que eu sentia era ódio Lili.

Vermelho ObsessãoOnde histórias criam vida. Descubra agora