Capítulo 25: As crianças do rio

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Dias se passaram até que Kan tivesse notícias de Acimia e Grimor novamente, algum vestígio tinha levado os dois para fora da cidade. Se preocupou que as suspeitas levantadas pelo Abadu'Silver sobre os irmãos abençoados se agravassem, caso demorassem mais.

Enquanto isso, uma série de desentendimentos surgiram nas oficinas de forja.

Trabalhadores eram vigiados como suspeitos mesmo que nenhum deles fosse herdeiro do deus proibido, pois de qualquer forma eram mestres em lidar com o aço, um conhecimento divino.

Os líderes das forjas e guardas dos clãs enfrentavam problemas de hierarquia em relação a quem estava no comando contra os guardiões.

Na Torre do Herdeiro, Kan finalmente se reuniu com os irmãos e a primeira esposa em uma salinha secreta, onde outrora seus torturadores se juntavam para beber e jogar dados enquanto seu sangue jorrava no chão da masmorra no andar de baixo.

Acimia:

— Depois do dia do incêndio, nós sentimos que estávamos deixando passar algo, então retornamos para examinar os portões que foram trocados.

Ele trocou olhares significativos com Grimor, dizendo em seguida:

— Não foi simples encontrá-los, as informações sobre quem havia os levado embora eram todas contraditórias onde quer que fossemos. Mas os achamos. Estão agora em uma sucataria simples, para lá dos muros da cidade.

— Continue. — Exigiu Kan.

— As aberturas se assemelham em uma coisa. — O guerreiro conferiu se todos prestavam atenção, antes de relatar: — Não possuem marcas de dedos das mãos, parece que foram abertas a chutes, por vários pés diferentes.

Kan e até Musan pareciam confusos. O Apoah' se curvou para frente, querendo saber:

— Como isso pode nos ajudar a encontrar os culpados?

— Irmão, filhos do Aço agindo coletivamente podem distorcer um metal de titânio, com alguma dificuldade, usando as mãos, que sabemos ser onde seus poderes se concentram mais. — Explicou Acimia. — Mas, usando os pés seriam necessários vários golpes e um esforço ainda maior. Mesmo agindo em bando, levaria um tempo de ação arriscado demais. Por que correr esse risco?

— Então, não foram filhos do Aço?

— Não, Apoah', com certeza foram filhos do Aço. O modo de distorção é bem característico e impossível para um grupo de orundas comuns. Porém, foram filhos do Aço que, seja lá por que, não puderam usar as mãos e talvez queriam realmente chamar atenção, não apenas prejudicar as mercadorias. Assim, nós confirmamos que o guerreiro que vimos no outro dia é um filho do Aço e um muito habilidoso. — Apontou a Acimia.

Kan analisava as informações em sua mente, quando Musan disse de repente:

— Crianças do rio...

— O que diz, minha senhora? — Acimia perguntou.

— Os filhos dos filhos do Aço que tiveram as mãos decepadas durante a Guerra de Conquista, lembra?

Nem Acimia e nem Grimor pareciam lembrar das crianças do rio, o primeiro por ter sido protegido por um bom tempo durante a pacificação, o segundo por nenhuma razão conhecida.

Entretanto, na época, algumas dessas crianças tinham sobrevivido, seus corpos alcançaram as margens, embora a maioria tenha se afogado de fato.

De todo modo, a verdade é que aquelas que escaparam não viviam uma vida digna nos dias atuais, eram uma vergonha para o Império e para o povo das terras do aço. Viviam como mendigas, serviçais, mensageiras ou realizando outros trabalhos que pagavam mal.

Não eram pessoas que pareciam capazes de orquestrar um ataque tão organizado ou que precisassem chamar mais atenção para si mesmas, ninguém as defenderiam no fim das contas.

A não ser que alguém mais poderoso estivesse por trás disso.

Aos poucos, nas conversas que se seguiram, os quatro foram chegando a essas conclusões, até que Kan decidiu que o melhor seria os irmãos abençoados ficarem de olho nessas crianças, que àquela altura eram jovens e adultos como ele próprio.

— Inclusive, mantenham-se vigilantes quanto ao guardiões

— O que há de errado, irmão? — Acimia quis saber.

— Nesse momento, qualquer um pode ser responsabilizado.

Falar contra a Ordem era desnecessário e perigoso, mesmo entre os seus. Sem ouvir muito mais, Acimia e Grimor assentiram e partiram.

— Voltará para o Alhando? — Perguntou Musan quando ficaram sozinhos.

Estava preocupada com o marido, tão estressado em tão pouco tempo como Apoah'.

— Embora eu preferisse mil vezes ficar aqui com você, sinto que pode explodir outro conflito nesta cidade a qualquer momento. Preciso estar lá.

Musan o abraçou pela cintura, o queixo dele se apoiou no topo da cabeça dela.

— Há alguma chance de ir comigo?

Ela rio:

— Nenhuma.

Ele gemeu de insatisfação.

— Sinto sua falta.

— Estou aqui, estarei sempre aqui. — Prometeu a esposa.

Deixando a Torre do Herdeiro, Kan sentia um nó na garganta e um peso nos ombros. Ele olhou para os telhados, se perguntando se poderia ver um gatuno filho do Aço.

Nunca tivera contato com outro filho do Aço como ele, assim não sabia como se sentir a respeito. Dentro de seu clã, aparentemente ele foi o único condenado.

Também não tinha realizado tudo o que poderia fazer, não permitir que manipulasse o aço sempre foi um cuidado de seus carcereiros. Até quando aprendeu a lutar, nunca foi com uma arma verdadeira e sempre por planos futuros de seu tio, desconhecidos.

Seus poderes eram um fardo. Concluiu. Então, por que sentia tanta falta deles? Era como... faltar-lhe um sentido depois de toda uma vida usufruindo dele em perfeito estado.

— A...poah', é você? — Escutou subitamente.

Olhou para os lados buscando a direção do chamamento.

— Jovem Apoah', me ajude! — O apelo era um leve sopro que vinha de um beco escuro, somente um braço negro feminino podia alcançar a claridade da lamparina na parede da loja mais próxima. — Me ajude!

Kan deixou para trás o estranhamento, aproximando-se para socorrer quem quer que fosse, no minuto seguinte, uma mulher desacordada despencou em seus braços.

🌻🌻🌻

Obrigada pela leitura, girassóis!

Sexto Sol: As filhas SolaresOnde histórias criam vida. Descubra agora