[Arco II] Capítulo 22: Os filhos da Água

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— Água e fogo são opostos. — Disse. A ponta do vestido branco sacudindo ao vento da montanha na direção em que pétalas e folhas eram levadas. — Enquanto o ar pode ou não ser aliado. — Fez uma pausa para resfolegar. — Os ventos ajudam nas correntezas e são capazes de tornar mais devastador um incêndio. Perpassam por todos os elementos na dimensão natural, roubam a magnitude do que não é deles.

A sacerdotisa entonou continuando:

— Ingênuos são os que creem em sua capacidade de ser fiel e justo. O ar é traiçoeiro! Em um mísero vendaval arrasa tudo que existe, quem dirá os filhos dos deuses.

Em um cochicho um dos discípulos recrutas quis saber:

— Não tem receio de que a língua dela seja arrancada junto com os nossos ouvidos? — Perguntou para ninguém em específico, enquanto eles ouviam debaixo de uma árvore, dentro do jardim da residência de Abadu'Moza, a sacerdotisa pequenina recitar a peça dos inimigos escrita nos tempos da Guerra de Conquista.

Hieron sentado não muito longe revirou os olhos.

Moza sorriu como se lidasse com uma criança de três anos e disse para o aluno:

— Seus ouvidos devem estar no lugar para que me escute quando disser-lhes que para enfrentar o mal precisamos conhecê-lo.

A boca do discípulo formou um 'O', enquanto concordava com a cabeça, mas não deixou de se sentir nervoso olhando para a sacerdotisa a sua frente. Ela não parou em momento nenhum de recitar, com os olhos abaixados, focados no pergaminho em sua mão, nos símbolos que narravam o suposto discurso de motivação para a batalha de uma da Rainhas Sacerdotisas Solares, reproduzido em teatros de rua em outros tempos — embora sua mantivesse uma expressão de desdém.

Em certa altura, Moza percebeu que os guardiões recrutas pareciam já não prestar atenção na ladainha, apenas Hieron parecia concentrado e enojado e o discípulo menor, de nome Ago, escutava apreensivo. O Abadu' então levantou a mão e disse:

— É suficiente por hoje, Ceumi.

A sacerdotisa de dez anos concedidos assentiu, ela ia se afastar para sair, mas lembrou de algo:

— Abadu' líder irá ver a nova prometida do Ar hoje?

— Não terei tempo. Algo errado? — Quis saber, um tanto esperançoso que sim .

— Ela pergunta todos os dias à sacerdotisa Moa pelo irmão mais novo de seu clã.

Nesse instante, Hieron ficou atento à conversa, talvez se o Abadu' revelasse para onde mandara Jonki, poderia arrumar um jeito de um acidente trágico acontecer de repente ao garoto do clã rival...

— Tudo há seu tempo, há algo que preciso que a prometida me mostre primeiro. — Disse ele de maneira vaga e distraída.

— Abadu' líder. — Chamou um de seus discípulos mais velhos adentrando ao jardim.

— Sim?

— Seu pai... opa... O Abadu'Mestre solicita sua presença no Templo Refletor.

— O Abadu'Mestre? — Um sorriso no canto da boca de Moza começou a se formar. Há quanto tempo não ouvia uma solicitação como esta? Se perguntou. — Por certo que não posso deixá-lo esperando. Leve os recrutas para fazer suas lições na biblioteca. — Instruiu Moza àquele obediente discípulo mais velho. — Quero cem páginas sobre quão ardilosas e manipuladoras eram as Cinco Rainhas do povo do Sol de cada um de vocês, com resumos sobre as táticas de guerra que usavam.

Lamentos foram ouvidos, porém Moza apenas saiu sentindo-se satisfeito com seus próprios ensinamentos.

Encontrou o velho patriarca em uma salinha particular nos fundos do templo onde ficavam alguns documentos, livros e anotações particulares, valiosos ao Império. O lugar era protegido sempre por dois guardiões: dois jovens gêmeos, negros de cabelos ruivos. Traiçoeiros, pensou Moza, o pai dele havia adotado e ensinado todo tipo de modo de tortura e de assassinato a eles. Os rapazes o encararam com expressões de nojo quando passou por eles — como cães de guarda, mas não o impediram de entrar dessa vez. Bem disciplinados pelo dono, concluiu Moza, ele próprio já tinha sido assim uma vez.

Sexto Sol: As filhas SolaresOnde histórias criam vida. Descubra agora