Capítulo 28: O Selo do Inverno

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Alguns dias antes, quando saíram da prisão de Honrosa, Ulisses se certificou que a barreira que aprisionava Mimii em um  dos pavilhões da residência dele era estável e que ele podia controlá-la à certa distância. Depois ele foi até o quarto onde a prometida ao sacerdócio foi instalada e ainda estava desacordada.

Ele checou o pulso dela: embora a energia vital de Selena estivesse uma bagunça naquele dia, ela certamente iria sobreviver.

Algo nela não era simples, toda a situação que ele encontrara na prisão também não era. 

O guardião tentou puxar algum resquício de aura divina dos povos solares, porém foi em vão pela terceira vez. 

Checou as feridas da prometida e essas não eram graves o bastante para que estivesse desacordada daquele jeito, nada diferente do que qualquer guardião recruta já arranjara em uma primeira luta alguma vez. Não havia por que gastar forças curando-as, portanto, era melhor deixar a garota ali e voltar para o pátio de onde tinha o melhor controle sobre a barreira.

Desde então, ele dedicou seu tempo em batalhar contra a filha Solar, sentindo cada movimento, incluindo a respiração dela, através das ondulações na barreira, aprendendo a como forçá-la ao limite da exaustão.

Esse tipo de feito só era possível porque Ulisses absorveu para si uma boa parcela de poder divino com a magia de sangue que realizou dentro do Oráculo da última vez. 

Contudo, ele sabia que não aguentaria muito tempo. Logo os poderes iriam se esvair.

Além disso, sentiu que a prisioneira começou a aprender a forçar a barreira de volta para ele. De modo que, ficava cada vez mais difícil controlar as dores no seu próprio interior.

Mais tarde, Ulisses foi informado que Selena tinha acordado. Ele não sabia muito bem o que fazer sobre ela, portanto decidiu que antes de mais nada era preciso testá-la. 

Ulisses ordenou que a prometida deixasse a refeição da prisioneira como outrora, entrando na barreira, afinal, uma aura divina tão forte devia machucar qualquer descendente de outro deus ou deusa que a atravessasse.

Mas Selena não se afetou pela camada de água. Pelo contrário, o "bloqueio" que tinha dentro de si se movimentou para fora do corpo da menina, criando uma camada espectral ao redor dela, que muito o intrigou. 

Ela é algo, certamente, não uma pessoa comum.

Ulisses percebeu também que quando Selena estava no pavilhão a filha Solar não forçava a barreira para atacá-lo de volta, o que dava a ele alguns momentos de descanso.

Uma ou duas vezes checou as duas, mas elas não conversavam muito também. Selena sentava, esperando a outra comer, depois recolhia as louças e voltava para a cozinha.

Assim, ele usou aqueles encontros para estudar uma magia da Água melhor, capaz de provocar uma reação desesperada na prisioneira. 

Foi quando encontrou um pergaminho velho e quase deteriorado sobre o chamado "Selo do Inverno" entre os livros que ganhou do irmão.

O "Selo do Inverno" era algo complicado de criar, descobriu. Ulisses testou algumas vezes em si mesmo, porém não teve sucesso. 

O pensamento de que não funcionaria a não ser em outro corpo lhe ocorreu, e resolveu testar em um cachorro vigia de sua residência.

O cachorro sentiu um frio absurdo imediatamente quando selo foi colocado em seu peito, falecendo em seguida.

Ele precisava treinar mais, não podia matar a prisioneira ou tudo seria em vão. Porém, estava sem tempo...

— Isso dói muito? — Ouviu Selena questionar timidamente.

— O que?

— A barreira. — Ela explicou. 

— Não muito. — Disse a prisioneira.

Talvez não o suficiente, pensou Ulisses antes de dar um passo para dentro do pavilhão.

— Você! — Chamou. — Venha comigo.

Ele olhou de soslaio para a prometida ao sacerdócio quando ela o cumprimentou:
 
— Meu guardião. 

Um problema de cada vez, pensou Ulisses assentindo. 

A hora havia chegado, ele se virou para a prisioneira e disse:

— Tem algo que preciso que me mostre. 

*** 

Ulisses levou a filha Solar para o bosque atrás do Templo Refletor. Xiaun no seu encalço, caso fosse necessário lutar.

— Eu já disse que não consigo criar fogo, seu desgraçado. — Ela cuspiu indignada.

— Eu vi você segurando a chama na palma da sua mão no pântano. Quanto mais devo forçá-la?

— Eu não criei fogo, eu manipulei o fogo. Você criou a porra dessa água? — Ela xingou balançando as correntes mágicas feitas divinamente de água.

Ulisses sabia que havia a chance de que o que ela dizia fosse verdade, pois ele a torturou desde as Praias Tristes e ela nunca tentou atacá-lo novamente com fogo.

Contudo, as coisas já estavam assim. De um lado ele era pressionado pelo Abadu'Mestre sobre novos relatórios, havia prometido ao pai adotivo dar-lhe uma prova de que esta era a filha Solar com os espíritos das Cinco Rainhas Solares que tanto procuravam. Por outro, se ela realmente fosse a reencarnação daquelas rainhas, precisaria arranjar uma maneira de avisar primeiro ao príncipe Ailee. 

E ele precisava tê-la achado, precisava que, dessa vez, fosse ela de verdade.

Queria crer em seus instintos, no fato de que nunca havia sentido uma aura divina como a dela, mesmo que suprimida, era muito forte. E nas suas lembranças, a surpresa de ver pela primeira vez fogo na palma da mão de uma filha Solar era muito vívida.

Tinha que ser.

— Tente. — Ele insistiu.

— Nem se eu pudesse conseguiria com essas correntes. — Protestou. 

— Você matou Dondorian acorrentada, não matou?

Ela o encarou quieta por um breve momento, depois riu.

— Certo, me solte e eu coloco fogo em toda essa cidade para você, filho da Água.

Ulisses a encarou severamente, depois fez um sinal com a cabeça para Xiaun, que soltou o metal da traição que a amarrava. 

Em seguida, o líder movimentou a água para segurá-la somente por um pulso.

Ela sacudiu a mão, como que para aliviá-la, depois levantou a palma. 

Mas em vez de produzir fogo, atacou Xiaun que estava mais próximo de seu alcance. 

O caçador agregado ficou tonto, pendendo um dos joelhos no chão.

Ulisses girou e a corrente de água foi enrolada no pescoço da filha Solar.

— Já chega. — Ele disse.

Ulisses guiou a prisioneira entre as pedras para dentro do Oráculo. Ela começou a gritar assim que desceu o primeiro degrau do local sagrado.

O guardião a empurrou até o centro de poder, enquanto ela era pressionada em todas as direções, os tímpanos apitando.

Foi o momento de Ulisses unir o poder  dele com o do Oráculo e arriscar tudo ao colocar o "Selo do Inverno" no peito de Mimii. 

Aquilo doeu na prisioneira como se estivesse sendo partida ao meio.

Certamente, ela pensaria muito antes de não se esforçar em fazer o que ele lhe exigia da próxima vez.

Quando Ulisses escoltou de volta uma filha Solar quase desacordada para fora da gruta, ele também estava no seu limite. A entregou a Xiaun e voltou a se reunir com o Oráculo para não perder toda herança divina de suas veias para sempre.

🌻🌻🌻
Obrigada pela leitura girassóis!

Sexto Sol: As filhas SolaresOnde histórias criam vida. Descubra agora