Capítulo 14: A prometida do Ar

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Quando Selena acordou, sentiu que seu corpo estava molhado de suor envolvido em um tecido negro grosso bordado com tiras de aço maleável. Uma lareira foi acesa bem próximo de onde dormia. Ela se mexeu, então sentiu uma dor forte no pescoço e as juntas latejarem.

— Quando eu tinha nove anos... — Disse uma sombra de costas do outro lado da caverna. — ...meu pai foi morto em uma emboscada por guerreiras impuras solares. Minha mãe foi salva por um benfeitor, que a trouxe para nossa casa junto com o corpo morto do marido, onde eu e meu irmão estávamos. — Suspiro. — Naquela época, eu era muito jovem para ajudá-la, nem parecia que ela resistiria de qualquer forma. Embora minha mãe tenha implorando para o benfeitor deixar ela morrer ao lado do meu pai, ele optou por levar ela para longe de nós... Moza e eu enterramos o corpo do nosso pai sozinhos, cavando o quintal de casa com nossas próprias mãos.

Selena não disse nada, então a sombra se moveu sentando na frente da fogueira, agora olhava para ela com olhos escuros de uma pantera negra.

— Tenha em mente que eu já matei mais mulheres como aquela velha filha Solar de seu clã, do que quantas você e seus conterrâneos foram capazes de conhecer no vilarejo onde morava.

Ela ouviu o guardião dizer, sua voz não sibilava uma falsa brandura como a do irmão, era firme.

— Quantos sacrifícios você já viu na vida?

Atrás da fogueira, sua pele e cabelos negros iluminados passavam a imagem de um verdadeiro caçador, não um recruta cheio de si, com pouca experiência como Hieron, ou um jovem de alma pura, corajosa e genuína como Jonki, mas um guardião, um soldado bem treinado e perigoso.

Selena não respondeu, sua garganta se mexeu engolindo em seco. Algo na coluna dela indicava tensão, ela sabia que precisava tomar cuidado com Ulisses, se lembrava bem do que ele tinha feito a anciã agregada.

— Quantos anos você tem? Quinze, dezesseis? Deve ter visto quatro ou cinco sacrifícios em terras tão próximas a Ordem, elas nunca chegam tão próximo... E tem a sua irmã... Você disse que o garoto do outro clã a denunciou por interesse próprio, você tem provas disso?

— Eu sei que sim. — Falou finalmente entre dentes.

— Foi meu irmão quem deu a sentença, você sabe disso. — Retrucou.

A boca dela se abriu, porém decidiu que era melhor não dizer mais nada, fechando-a em seguida. Ela virou o rosto e encarou a saída da caverna, somente o breu da noite podia ser visto do lado de fora. Cinzas caiam como chuva onde a fogueira podia iluminar, o cheiro de fumaça pairava, mas, aparentemente, haviam fugido para longe o suficiente do incêndio até poderem parar. Pensou nos corpos de seu clã sendo carbonizados sem um rito digno de passagem para o mundo espiritual.

— Me deixe ir, está acabado. — Pediu humildemente, infeliz. — Minha casa, minha família, meu clã, está tudo acabado agora, já pagamos nossos erros com o deus do Ar. — Sua voz era um sussurro. — As sentenças que seu irmão, você ou a que o líder do outro clã nos deram já foram cumpridas. Me deixe encontrar com Jonki e partir.

Ulisses olhou para a garota, depois levantou e estendeu a mão sem sinal de lesão por ponta de flecha para o pescoço dela. Selena se encolheu, mas ele se agachou ao seu lado com um joelho no chão segurando a parte de trás da nuca dela onde doía.

Antes que Selena pudesse recuar, o guardião fechou os olhos, um lampejo azul de aura espiritual da palma de sua mão iluminou o rosto dos dois contrastando com a luz alaranjada da chama da fogueira.

O toque era gelado e confortável, o machucado aberto e dolorido que ele a fizera antes estava sendo curado fechando-se. A sensação era de beslicadas e repuxadas suaves na pele enquando o tecido novo rosado se formava debaixo dos dedos dele, como quando seu avô curava as feridas de travessuras feitas por ela e pela irmã.

Sexto Sol: As filhas SolaresOnde histórias criam vida. Descubra agora