Quando Selena se viu esquecendo de como bater braços e pernas em um movimento de nado, seu corpo submergiu na nascente do Ayé, o desespero do afogamento se juntou ao da visão de que lá no fundo havia uma menina se afogando também. Anliss! Ela se alarmou imediatamente, pois não era a primeira vez que estava naquele lugar e situação, a sensação de déjà vu não amenizava a agonia. Havia vivido aquele mesmo pesadelo, de novo e de novo, de novo e de novo, todas as noites, sem cessar.
E como em todos os sonhos ruins que tivera outrora, ela buscou salvar a irmã mais nova, tão desesperadamente, tão estupidamente e de maneira tão falha, que deixou-se afundar: o corpo descendo para o fundo do rio à altura de onde Anliss se encontrava.
Dessa vez, Selena chegou a pensar que estaria tudo bem se tivessem que morrer juntas. Entretanto, quando ficou frente a frente com a garota, pôde ver com mais clareza que não era Anliss.
Era uma jovem orunda que não conhecia a muito tempo, mas que tinha feito uma par de vezes seu coração saltitar, seja de remorso, empatia, chateação ou dor. Essa jovem orunda não era frágil como Anliss, pelo contrário. Dentro da nascente do rio Ayé, seus olhos estavam bem abertos, e ao redor de seu corpo uma luz natural teimava em se propagar combatendo a escuridão das águas.
A filha Solar segurou Selena pela cintura, como se a esperasse para assim poder nadar de volta à superfície. Selena ficou alguns instantes atônita se deixando levar.
No meio do caminho, Mimii sorriu para ela e algo em seu interior entendeu aquele sorriso como um gesto de incentivo: "Ande! Você consegue, juntas, sim?!" Era engraçado que em sua mente a outra parecesse mais gentil do que de fato era, mas não se tratava exclusivamente da personalidade de Mimii se comunicando com Selena, e de algum modo Selena sentia, sabia disso. Era Mimii, era ela mesma, eram todas as outras filhas solares antes delas. "Apenas saia desse rio!"
Ao passo que suas cabeças emergiram de dentro da água, Selena acordou.
O despertar de quem conhece a si mesma.
Em sua mente, a voz de uma guerreira a questionou: "Quer esquecer outra vez quem você é, criança?"
E ela calmamente respondeu:
— Não.
***
As portas do pavilhão onde Mimii estava aprisionada não se abriram mais para Selena, os guardiões decidiram que o melhor era eles mesmo lidarem com as refeições da prisioneira até que Ulisses voltasse e pudesse mantê-la melhor subjugada.
Essa decisão incomodou Selena.
Como havia retomando algum conhecimento sobre seus poderes, algumas memórias também iam retornando aos poucos, inclusive a de que havia prejudicado Mimii ao ponto dela ser duplamente encarcerada.
Não foi sem tentar argumentar, apelar para a certa cordialidade que existia entre ela e Oriun que Selena deixou de cumprir aquela simples, mas significativa tarefa diária de garantir que a prisioneira permanecesse alimentada e viva.
Oriun também não facilitou sua curiosidade sobre o estado de saúde da outra com qualquer pequena informação. Em vez disso, ele a enxotou e lhe mandou cuidar da limpeza da biblioteca, cuidar da confecção de vestuário de guerra, cuidar de escovar cavalos de caça, entre outras tarefas inúteis as quais sua contribuição não era muita, contando que o número de agregados que Ulisses tinha para realizá-las era suficiente.
Por outro lado, Selena agora não podia negar que Honrosa era o pior lugar onde ela poderia estar, cercada de guardiões, abadus e remanescentes do povo da Água, civis ou não, era sua sorte que apenas Dondorian tenha descoberto que ela era na verdade uma filha... bom, era difícil admitir com todas as palavras, reunir o termo completo e aplicar a si mesma.
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Sexto Sol: As filhas Solares
FantasyGênero: Novel | Fantasia | GirlsInLove | No Império de Orunayé, os descendentes dos deuses Aço e Sol são perseguidos e sua magia proibida. Selena, um jovem orunda, perde a irmã mais nova e é forçada a servir ao sacerdócio da Ordem como voto de fé d...