Capítulo 27: A quebra

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Selena mergulhou na nascente dentro da gruta, a água era morna e agradável, mas lá no fundo algo se debatia.

Sua irmã. Era Anliss. Os cabelos ruivos se agitavam enquanto era atacada por sanguessugas.

Selena nadou, porém o corpo da irmã menor afundava mais rápido do que o ritmo que conseguia avançar, inalcançável.

Um grito de agonia gerou ondas dentro da água, fazendo com que fosse jogada para fora da gruta. Na aterrisagem, ela bateu a nuca em uma pedra no meio da mata alta.

Ao seu redor tudo queimava. Seu corpo, porém, estava preso ao chão por mais esforço que fizesse para se erguer.

Muitas vozes se uniram gritando em todas as direções.

Sobre a cabeça de Selena, o corpo do líder do clã pendeu, seu pai, amarrado pelo pescoço ao galho de uma árvore. 

***

Selena acordou. 

Estava no chão, tinha rolado da cama durante a noite.

Mesmo acordada, o corpo trêmulo dela demorou para responder ao seu comando.

Aos poucos, conseguiu encolher-se em um formato de concha, ofegante.

A palma da mão iluminada.

Apertou os dedos em punho. Depois socou a própria cabeça repetidas vezes, de novo e de novo, fazendo a lateral bater no piso. 

Isso dói! Isso dói! Isso dói!

"Criança, pare!"

Selena apertou a face grunhindo.

Não posso ser! Não posso ser! 

"Criança, por favor, pare de se torturar!"

Bateu, apertou e arranhou o próprio rosto, de novo e de novo. De novo e de novo!

Isso dói! Isso dói! Isso dói!

"Criança, venha comigo, vou fazer você esquecer outra vez" disse a voz de uma guerreira em sua mente.

O corpo de Selena girou e se esticou sozinho de barriga para cima. Seus glóbulos oculares reviraram.

Um clarão levou embora toda a dor que sentia.  

***

Durante a refeição, Selena sentia-se constrangida.

Sairia primeiro e buscaria a louça no jantar.

Desde que passou a tratar da outra, esta era a única tarefa que tinha na residência do seu guardião. Todos tinham seus afazeres, menos ela. Por isso, se permitia esperar. Entretanto, acabou confundindo a prisioneira com uma senhorita do clã, e agora simplesmente não tinha mais rosto para fazer-lhe companhia.

Contudo, a filha Solar a chamou.

— Hum?!

— Vem aqui. — Repetiu.

Selena não se mexeu, então a outra suspirou:

— Não precisa ter medo de mim. — Assegurou.

— Não tenho. — Retrucou na defensiva. Não era mentira.

A prisioneira levantou-se da cadeira onde estava e foi até ela. Encarou um pouco, antes de pôr a mão no rosto de Selena.

— Abra a boca, sacerdotisa. — Exigiu.

Elas estavam perto demais, parecia que contestar deixaria tudo mais esquisito, então Selena moveu os lábios devagar.

Havia sinais de queimaduras velhas e recentes na língua, nas gengivas e no céu da sua boca.

Sexto Sol: As filhas SolaresOnde histórias criam vida. Descubra agora