Uivos e aplausos saudaram o novo Apoah e a Mãe dos orundas daquela terra na porta do Templo dos Ventos.
Ulisses não pôde deixar de olhar para Musan no meio da multidão batendo palmas, a imagem não saiu de sua cabeça mesmo depois de horas.
— Já anoiteceu. Faz um dia completo de nosso casamento, Apoah. Se não fizermos o que tem que ser feito, o que será dos filhos desta terra? Um furacão pode levar nossas casas. Enfrentaremos a fúria divina.
Ouroro puxava e roçava entre o polegar e o dedo indicador uma mecha lisa de seus cabelos negros, sua voz era diminuta com o intuito de não incomodar demais o marido rígido, sentado na ponta da cama. Ele estava quieto a muito tempo, as duas mãos fechadas nas próprias coxas, seu corpo estava enrolado por faixas que exalavam o cheiro de plantas medicinais, marcas de sangue atravessavam o tecido.
— Pois que seu deus destrua tudo, não me deitarei com você. — Respondeu.
— Mas meu pai disse que...
— Apenas esqueça o que seu pai lhe ensinou, deve obedecer a mim agora, não deve?
A pequena esposa mordeu o lábio, abaixou a cabeça e apertou o tecido azul que enrolava seu corpo. Queria chorar e sair correndo para longe daquele quarto frio.
Durante toda a cerimônia de matrimônio, Kan não olhou uma vez sequer para a ela. Ele a desprezava, mais que o pai dela desprezava ele, sentia. Era como se estivesse sido entregue ao inimigo de seu antigo clã como moeda de troca pela paz aparente.
E ele tinha aquele modo duro de dizer "seu deus", assim como a primeira esposa também havia dito antes no templo: "seu deus é quem matará você e todos nós". Como seria isso possível, quando ela queria ser obediente e devota? Tinha pensado, mas agora sentia medo que suas palavras fossem um mau auspício.
Ar deveria ser o deus de todos nas terras do aço mais cedo ou mais tarde, diferente de outros lugares onde se cultuavam ainda a Água, a Terra e deuses menores, ancestrais, desde que não ameaçassem a paz do Império. E ainda assim, os filhos desses deuses permitidos, chamados de adormecidos, pediam para serem adotados pelo Ar todos os dias. Isso era o quanto o "seu deus" era querido.
Tinha sido deixada, por vontade dEle, na porta da sede da Ordem em Redenção, seu pai atendeu ao chamado dando a criança boa educação sobre os preceitos dEle.
O Abadu'Silver havia lhe dito que ela nascera destinada a cumprir uma ordem divina, ela achava que se tornaria uma sacerdotisa, mas, em vez disso, se tornou Mãe de vários clãs orundas. Se não cumprisse a ordem, como podia se mostrar grata as bênçãos dEle?
— Você deve amar verdadeiramente a primeira esposa. —Ela disse.
O Apoah' finalmente se virou para olhar para ela, seus olhos ardiam com a fúria de uma vida sofrida.
— Não a mencione, desde que eu permita. Nunca!
—S..im, A...poah, sinto mui...to. — Não pôde evitar se distanciar um pouco na cama.
—Você é uma criança, não dormirei com você. Deixe que os ventos levem toda a Redenção, desonrarei mais esta terra se cumprir um ritual que viola uma criança. A mãe dos orundas deve entender.
Ouroro ficou surpresa com suas palavras, queria dizer que não era mais uma criança, pois o sangue já havia escorrido, como o pai havia lhe dito na época que ocorreu pela primeira vez. Porém, pensou sobre o quanto estava nervosa em relação ao que as sacerdotisas, mandadas pelo pai, a ensinaram que deveria fazer, ela abraçava o próprio corpo agora, e suas pernas pareciam duras — dobradas em cima do leito — pelo estresse.
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Sexto Sol: As filhas Solares
FantasyGênero: Novel | Fantasia | GirlsInLove | No Império de Orunayé, os descendentes dos deuses Aço e Sol são perseguidos e sua magia proibida. Selena, um jovem orunda, perde a irmã mais nova e é forçada a servir ao sacerdócio da Ordem como voto de fé d...