Capítulo 10: A alma de Aço

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O corpo de Kan ardia, havia nele marcas de queimaduras e espancamento, machucados nos joelhos, traços de exaustão, fome e sede no rosto.

Há cinco dias o abadu da cidade, com suas sacerdotisas subordinadas o banhava sempre com água fervente sagrada, para ver sua pele queimar como um homem comum, expondo-o em seguida ao sol na porta do Templo dos Ventos, diante da população de Redenção que ansiava para ver suas provações nos primeiros dias, mas já o analisavam com descrença naquela altura.

Depois, quando o sol se punha, os guardiões o espancavam no salão do templo, para que provasse que nunca reagiria contra o Império, enquanto batiam em seu corpo e verificavam a temperatura de sua pele.

Ninguém limpava seu sangue do chão.

Na manhã do sexto dia, no topo da falésia onde se ouviam as ondas batendo contra as rochas, sentaram Kan à beira do precipício, as roupas cerimoniais volumosas e coloridas envoltas na cintura, subindo pelas costas e descendo no ombro esquerdo, colando na pele queimada — o que lhe causava mais dor ao se movimentar, os pés descalços estavam rachados por caminharem na areia quente do meio dia por um longo percurso.

Kan pendeu pro lado, porém a tempo um guardião o pegou para manter seu tronco erguido.

Uma sacerdotisa do Ar dançava na direção do vento.

Outro guardião amarrava no tornozelo do jovem líder uma corda metálica flexível com uma barra de ferro acoplada na extremidade oposta, tudo feito de um metal descoberto nas minas daquelas terras e dominado pelos filhos do Aço a princípio. Esse metal que não faria o mal algum, além de afundá-lo mais rápido no oceano a sua frente, estava preso a ele porque podia provar se era ou não um filho do Aço diante de uma situação extrema.

— O metal não esquenta ou se distorce, por enquanto. — Avisou o guardião ao Abadu'Silver, este observava junto com outras autoridades da cidade logo atrás.

Após os banhos ferventes, os cortes com metal aquecido nas costas e a longa caminhada do templo no centro de Redenção à subida da maior falésia daquelas praias no sol escaldante, chegava a hora de provar que Kan não era capaz — como um legítimo filho do Aço seria — de manipular e derreter esse metal tão poderoso usado para neutralizar filhas solares.

O Metal da Traição.

Segundo as histórias, dessa matéria-prima foi feita a arma utilizada pelo deus Aço para aprisionar filhas solares manipulando a deusa Sol para que fosse ao encontro dele, quando os deuses viviam entre os homens.

Deus Aço queria que ela se atraísse e se apaixonasse por ele, embora ambos fossem irmãos.

Quando Aço e Sol se encontraram durante o Cisma, o fogo dela o consumiu tornando-o mais fraco. Os filhos dele sendo derrotados consequentemente.

Desde então, apesar de os filhos do Aço serem habilidosos na arte da guerra, capazes de queimar pelo toque e manipular o metal, a deusa os condenou: determinando que as vidas deles passassem a ser destinadas a assegurar a paz daquelas que machucaram, as filhas do Sol.

Por essa razão, se manteve uma proteção mútua entre o povo do Aço e Solar durante muito tempo, um acordo depois do Cisma que quase destruiu os dois povos irmãos em uma antiga guerra. Devido essa aliança e o quão poderosos os filhos do Aço eram — forjadores de armas — eles foram perseguidos quando o Império emergiu, junto com as filhas da deusa responsabilizadas pela tragédia da Seca.

E agora, devido a tal perseguição, os religiosos e líderes dos clãs de Redenção, com seus homens, esperavam Kan ser jogado no precipício em direção ao mar para não escapar do afogamento, sem qualquer poder.

Sexto Sol: As filhas SolaresOnde histórias criam vida. Descubra agora