Os dedos do guarda estavam firmes ao redor do cabo da lança, sua postura era correta e seu rosto estava erguido, mas não olhava diretamente nos olhos dos três anciãos de seu clã, que esperavam no pé da escada.
Os três senhores nunca antes haviam visitado a Torre do Herdeiro.
Entretanto, apenas o velho Kan parecia curioso sobre o lugar, olhando ao redor - as portas altas, os quadros nas paredes de guerras antigas quando os deuses ainda viviam entre os homens, a mesa no centro, o chão de tijolo bege e cimento - o rosto do primeiro ancião capturava tudo muito tranquilo.
Por outro lado, o segundo ancião parecia impaciente. Tinha face negra, dura e quadrada, vestia cinza como os antigos guerreiros e carregava consigo um bastão feito do metal da traição escurecido com a ponta um tanto mais fina apoiando-se no chão, mesmo que muito notoriamente fosse incapaz de usá-la com precisão naquela altura da vida, não houvesse qualquer ameaça naquele lugar e pudesse ser confundido com uma bengala. Esse ancião era Glorius, no passado fora braço direito de Velor, o apoah responsável pelo reino do Aço ter se tornado Redenção.
O terceiro, mais velho, de nome Conror, parecia cansado. O guarda se perguntava se deveria mandar buscar uma cadeira para ele ou se seria uma falta de respeito a sua vigorosidade. Nunca tinha visto os orundas mais velhos de seu clã tão de perto, não sabia qual seria a melhor maneira de se portar diante deles, na dúvida, permaneceu quieto em sua posição de vigília.
Kan surgiu no topo da escada. Se o guarda, de nome Oco, tivesse idade para ter visto os antigos reis do Aço, imaginava que certamente seriam esplendorosos como Kan naquele momento. O outrora herdeiro, nunca teve aquele semblante antes, de um homem, um líder e não mais um menino amedrontado. Tinha notado um pouco na noite anterior, mas agora com o raiar do dia, vestido de verde e dourado, parecia de fato um jovem Apoah.
— Orundas mais velhos, não esperava vê-los aqui, estava indo agora mesmo recebê-los com a Mãe dos orundas no Alhando.
Kan curvou a cabeça e os ombros, o punho direito fechado no lado do peito esquerdo, o outro braço esticado para baixo nas lateral do corpo, em um cumprimento antigo entre irmãos do aço.
— Nós, também, não, esperávamos, ter, que, encontrar, o Apoah, na sua, antiga morada, filho de Konnor. - Conror apontou, sua voz tremulava rouca enquanto falava, as palavras demoravam para se formar e sair, fazendo pausas estranhas.
— Peço suas desculpas e que os orundas mais velhos não me chamem assim.
— Algum problema em ser chamado pelo nome de seu pai? — Perguntou o homem de queixo rígido com ar de superioridade, segurando o bastão atrás das costas.
— Sebastian era o pai dele, não Konnor. — O velho Kan lembrou antes que o jovem Apoah por si pudesse argumentar.
— Quem, é, Sebastian? — Questionou o ancião mais velho, tinha uma memória ruim.
— O filho de nosso irmão, que desenrou nossa família. Por Velor, Kan, não mencione em minha frente o nome desse delinquente.
— Não o chame assim na casa do filho dele...
— E como deveria chamar um desertor?
— Ele não desertou, Velor expulsou o filho, meu irmão.
— O filho, é, de, Konnor. — Rebateu Conror, metendo-se na discussão de forma desatenta.
Com um passo pesado, Kan desceu o último degrau da escada e se postou na frente dos velhos orundas.
— Não mencionemos nenhum dos dois, nem Konnor, nem Sebastian, em meu nome.
— Mais importante que descobrir o metal é saber forjá-lo! Se foi Konnor quem o criou, é o filho de Konnor, como os costumes antigos. — Sustentou Glorius, ignorando o pedido.
— Os costumes antigos se perdem todos os dias quanto mais Alimaemar se fortalece.
Oco soluçou ao ouvir o nome do Imperador ser proferido de maneira tão descuidada pelo o velho Kan. Nem um ancião deveria se atrever, pensou.
Todos os presentes viraram sua atenção para o guarda, seu corpo se petrificou e fingiu não ter escutado nada da discussão, mas o breve silêncio que se formou foi suficiente para sentir seus dedos dos pés gelados. Até que Glorius voltou a falar:
— Pelo contrário, O Grandioso Alimaemar é um exemplo a ser seguido de comprometimento com os costumes e a valoração da família de sangue e abençoada, deve ser como ele, Kan.
O ancião podia estar falando com o velho Kan ou Apoah'Kan, ninguém pôde dizer ao certo. Ele caminhou em direção a porta e foi o primeiro a se retirar, sem anunciar um pedido que os outros o seguissem, porém eles assim fizeram.
Apoah'Kan parou na soleira da porta parecendo estarrecido.
Oco espiou por cima de seu ombro: aparentemente, todo o clã estava na frente da torre esperando. Homens mais velhos e mais jovens, mulheres e moças, crianças correndo umas atrás das outras e nos braços de suas mães, filhos de sangue e abençoados, guardas, assim como aqueles que não tinham mais vínculos com o clã além do de sangue, pois entraram para a Ordem: guardiões e sacerdotisas.
Inclusive a mãe e o pai de Oco, uma velha artesã e um velho guerreiro que perdeu ambas as mãos na guerra de pacificação para provar sua fidelidade ao Império, se agregando ao maior clã de Redenção.
Agora esse clã devia ser liderado por Kan, mais de dois mil membros, sem contar com os clãs aliados que não estavam ali, porque apresentar-se era algo íntimo.
Com os clãs menores antigos aliados de Konnor, que, certamente, estavam avaliando sua aliança com o novo apoah, Kan deveria ter cerca de três a cinco mil pessoas diretamente tuteladas por ele. O que não era suficiente para uma rebelião, já que parte dessas pessoas eram mulheres, que não podiam mais guerrear como nos tempos antigos, crianças e idosos.
Além disso, Redenção tinha mais outros cinco grandes clãs, cujos líderes faziam parte do conselho da cidade, e uma pesada força de contenção da Ordem e do Império estabelecida, com mais de oito mil guardiões e guardas imperiais na cidade.
À frente da multidão estava uma jovem orunda muito bonita vestida de azul, Oco também a reconhecia, era nova no clã, a Mãe dos orundas foi apresentada a cidade na entrada do templo após ter desposado o Apoah. Era nova demais, o guarda achava. Ela mantinha a cabeça abaixada, embora olhasse para cima, para o marido.
Kan fez a mesma saudação que fizera aos anciãos. Os membros do clã - diferente dos orundas mais velhos - o cumprimentaram de volta, exceto a esposa que parecia incerta. Algumas mães ensinaram naquele momento os filhos a fechar o punho no peito e se curvar, essa não era uma saudação de respeito e reconhecimento nascida do Império, todos os membros daquele clã eram irmãos orundas das terras do aço no final das contas.
— A mãe dos orundas deve estar do lado do Apoah. — Glorius apontou, enquanto se juntava a linha de frente.
— Apoah'... — Ela o chamou pedindo permissão.
As sobrancelhas do Apoah quase se uniram no momento em que foi até Ouroro.
— A apresentação deveria estar sendo realizada no Alhando, devemos seguir para lá. A segunda esposa deveria estar recebendo a todos em nossa casa, assim como eu.
— O clã vai onde o jovem Apoah está. — Gritou uma mulher com entusiasmo.
Kan assentiu entendendo.
— Dê suas saudações ao nosso clã. — Orientou ele à esposa.
— O que?
Kan fechou a mão pondo-a no próprio peito como se ensinasse a uma criança, Ouroro então imitou o gesto. Quando o rosto dela se ergueu, haviam muitos sorrisos. Os orundas pareciam satisfeitos com a mãe escolhida.
— Sigamos, então.
🌻🌻🌻
Capítulo curtinho de transição, não se esquece de votar, okay? ;)
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Sexto Sol: As filhas Solares
FantasyGênero: Novel | Fantasia | GirlsInLove | No Império de Orunayé, os descendentes dos deuses Aço e Sol são perseguidos e sua magia proibida. Selena, um jovem orunda, perde a irmã mais nova e é forçada a servir ao sacerdócio da Ordem como voto de fé d...