Capítulo 5: O patriarca - Apoah'

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O segundo dia de festejo ao Império nas terras do aço amanheceu com os rituais fúnebres dignos do líder do maior clã daquelas terras e patriarca da principal cidade da região da costa sudeste, rendida desde a Guerra de Conquista.

Konnor era o filho mais novo do filho mais novo da antiga linhagem de uma das cinco Rainhas Sacerdotisas Solares.

Elas reinaram as cinco principais cidades-Estados de Orunayé no período conhecido como Era dos Cinco Sóis e foram mortas pelo Império durante uma guerra que durou décadas, causada pela Grande Seca e findada a dezesseis anos com a morte da última Rainha Solar.

Enquanto a maioria dos clãs devotos do deus Aço  — irmão da deusa Sol  — e clãs de filhas solares que ali viviam fugiram para o que agora eram as Terras Arrasadas, o pai de Konnor, Apoah' Velor, se rendeu e ajudou na pacificação dos revoltosos.

Ele liderou exércitos inimigos contra o próprio povo e os povos mais abaixo no mapa, nas Praias Tristes; Reuniu novos líderes de clãs menores, na época, no conselho da cidade; Expulsou o filho mais velho  —  pai de Kan, Sebastian, devoto do deus Aço  — e sua família.

No fim, morreu em sacrifício, como último voto de fidelidade ao Império, protegendo seu clã e deixando para o filho estéril e doente, Konnor, seu lugar como patriarca.

Agora este Apoah' também estava morto, nenhum outro clã além do seu próprio chorava sua perda sinceramente, mas seu funeral era um ritual longo, grandioso e honroso aos olhos do Império.

A única coisa que Kan pensava naquele momento, depois de serem escoltados pelos guardiões da Ordem até o templo, enquanto cumprimentava os membros do clã que nunca o viram como seu futuro líder  — tinha certeza — era que devia ter feito Musan fugir. Devia ter planejado muito antes a fuga da esposa mandando-a para longe na noite anterior ou enviando-a para outras terras no dia seguinte a seu casamento, dois anos atrás. Sobre ele já não havia nada que pudesse fazer, estava condenado. Mas, quanto mais tinha a ganância de manter sua esposa ao seu lado, mais a condenava junto.

Pensava se deveria ao menos ter um dia se casado com ela, talvez desde o dia que se conheceram deveria tê-la mandado embora.

Sentiu Musan segurar sua mão suavemente.

Ela estava um passo atrás dele. Não podia vê-la e odiava isso. Ele odiava não poder olhá-la, abraçá-la. Odiava ter que manter os olhos no corpo sem vida do homem que o condenou à morte desde o dia que o tirou dos braços de seus pais.

Se perguntava por que aquele senhor, que sempre foi cruel com ele, mantendo-o refém, não simplesmente adotou uma outra criança, talvez uma estrangeira como era parte do sangue do Império, por que arrancou do próprio irmão, de vida já arrasada, os filhos, e trouxe Kan para herdar um reino rendido  — que não era mais reino  — ou morrer.

A Ordem mata os herdeiros indignos de herdar a liderança de uma cidade, para que não fossem uma ameaça de insurreição contra o Império, um filho do Aço jamais seria digno.

Musan acariciava os nós dos dedos dele.

Ela sabe, pensou Kan, ela sabe e quer me dizer que está tudo bem. Devia ter tentado fugir com ela...

À noite, o patriarca regente Abadu'Silver, que também era patriarca da sede permanente da Ordem na cidade, mandou que levassem as mulheres aos aposentos.

Kan ficou sozinho no templo, frente ao corpo morto de seu carrasco — apenas guerreiros do Império e guardiões da Ordem garantindo "sua segurança" — esperando a sentença da reunião entre a Ordem e o Conselho.

Kan olhou para a própria mão. Musan a havia segurado gentilmente durante todo o dia, mesmo enquanto as de ambos suavam ela não soltou a dele.

Ele lembrava de quando descobriu que sua pele podia aquecer outras coisas a ponto de queimar, um filho legítimo do deus forjador, o Aço, teve medo de machucar pessoas.

Sexto Sol: As filhas SolaresOnde histórias criam vida. Descubra agora