Cap 2

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— Mas, se você queria se relacionar com homens, por que se tornou um? — indago assim que tomo coragem, mas ainda com medo de estar fazendo perguntas bobas. — Desculpa pela ignorância, eu só estou tentando compreender.

Daniel e eu estamos deitados um ao lado do outro na cama de solteiro do quarto que ele alugou para a temporada que ficará na cidade. Depois da revelação que ele me fez, não aconteceu mais nada sexual entre nós. Apenas bebemos a cerveja e ficamos conversando sobre suas viagens pelo Brasil à fora. Ele é fotógrafo.

Ele se vira para o meu lado e me encara:

— Seria a mesma coisa se eu perguntasse para você; se é homem por que tem atração romântica e sexual por homens? Orientação sexual e identidade de gênero são coisas completamente diferentes. Orientação sexual é por quem você sente atração sexual ou romântica e identidade de gênero é como você se percebe. Eu só estou explicando de forma genérica. É mais profundo que isso.

— Ah.

— Ninguém se torna algo. Apenas somos e nos entendemos como somos.

— Isso não é antinatural? Tipo, não está mudando o que a natureza fez de você?

— NÃO penso assim, pelo contrário, foi a natureza que me fez exatamente assim. Assim como você é um homem cisgênero gay.

— Tem razão. Não dá pra mudar quem somos. Eu preciso ir — aviso me levantando assim que retomo a noção de tempo e espaço. Já está tarde demais.

— Ei, — Daniel segura a minha mão e eu sinto um calor gostoso com o contato de nossas peles — nosso primeiro encontro foi meio estranho, eu sei, mas eu vou ficar na cidade por mais alguns dias, se você quiser me ver de novo, já sabe onde me encontrar, ok? Podemos tirar algumas fotografias dos seus artesanatos e eu posso divulgar nas minhas redes sociais.

— Pode deixar. Foi bom te conhecer, Daniel. Até mais — aperto sua mão calorosamente para que ele saiba que eu estou mesmo falando a verdade. Pego minha mochila e vou embora reflexivo.

O encontro com Daniel me fez perceber que eu estava dentro de uma bolha e que existe todo um universo desconhecido além das paredes da minha comunidade. Temos algo em comum. Não achamos que precisamos ser tratados como normais porque não somos abominações, quem somos é totalmente natural. Foi a natureza que nos fez assim.

Caminho de volta para perto do bar onde estacionei minha moto e piloto até o acampamento. Estaria tudo escuro se não fosse pelo luar iluminar tudo ao redor. Lua cheia. Uma lua boa para ritos de casamento... Essa palavra não sai mais da minha cabeça. Minha comunidade dorme bem cedo e acorda com as galinhas.

Quando estou me preparando para entrar na minha tenda, ouço um assobio conhecido imitando um pássaro e paro. É Vladimir me chamando. É assim que ele me convoca quando quer falar comigo às sós. Hesito. Sinto vontade de ignorar, mas moramos no mesmo acampamento e é praticamente impossível me esquivar dele por muito tempo.

Dou meia volta e caminho até nosso ponto de encontro, perto do rio.

— Onde você estava até essa hora? — é a primeira coisa que ele pergunta assim que ficamos frente ao outro.

— Lá no centro vendendo algumas coisas...

— Até a essa hora? Não mente pra mim. Você está cheirando a bebida e cigarro.

Começo a rir mais de nervoso do que achando realmente alguma graça:

— Parece que você vai casar comigo e não com a minha irmã.

— NÃO me irrita, Ramon.

— Relaxa. Eu só fui beber uma cerveja depois do centro. A cidade está cheia de turistas. Consegui um bom dinheiro.

Beba deste cálice (CIGANO/GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora