Vladimir
Achei que Ramon iria me levar para alguma propriedade dele que está vazia na cidade, ou um hotel, ou motel... Mas ele dirige cerca de dois quilômetros de distância das suas terras, estaciona no acostamento e me fita.
— Sério que você me trouxe até aqui para conversarmos? — reclamo tomado por despeito. Estou injuriado. Ele está me tratando como se eu fosse alguém sem importância.
Ele solta um riso de ironia:
— O que você tem para me falar pode ser aqui mesmo — ele diz mexendo no celular. Me inclino para tentar ver com quem ele está falando e aproveito para aspirar seu perfume. Ele está muito cheiroso. Depois que termina, ele me encara como quem quer dizer que não tem muito tempo para mim, me pegando de surpresa.
Suspiro fundo. Não consigo me controlar.
— Está de jantar marcado com seu amante? Eu fiquei sabendo. O nome dele é Igor, não é? Um rapaz mais jovem...
— O que eu faço da minha vida pessoal não é da sua conta.
— É mesmo? Eu pensei que...
— Pensou errado, Vladimir — ele é seco segurando o volante com uma ansiedade visível. —Agora nós somos apenas parentes distantes. Só isso. O que eu posso fazer se eu vivo a minha vida plenamente ao invés de ficar me escondendo feito um criminoso? Ademais, nós não viemos aqui para lavar roupa suja. Você disse que tinha algo muito importante para me falar sobre o Virgílio e por isso estamos aqui. Então desembucha logo.
— Certo — cicio levemente magoado. — Ele veio falar comigo hoje. Disse que já está sabendo que tivemos um caso e ameaçou contar para todo mundo se você não passar a fortuna do Jacobino para o nome dele.
Ramon começa a rir estridentemente.
— Qual é a graça? — investigo impaciente.
— Ah qual é, Vladimir! — ele enfim consegue parar de rir e seca a umidade dos olhos. Ele literalmente chorou de tanto que riu. — Só assim pra você finalmente se assumir, né?
— Eu não tenho nada para assumir!
— Claro, a sua homossexualidade está estampada em você, só ignora quem quer!
— Deixa de ser idiota, Ramon!
— Olha, — ele recupera a seriedade — fala pro Virgílio que eu não estou nem aí. É, eu estou pouco me lixando. E você deveria agradecê-lo por fazer por você o que você mesmo não tem coragem!
— É a minha vida que está em jogo, Ramon! Você não vai fazer nada para me ajudar? — fico incrédulo.
— Não mesmo. Eu não estou administrando a fortuna do Jacobino por mero capricho ou interesse. Eu estou cumprindo com uma promessa que fiz a ele e não há nada, nem ninguém nesse mundo que me fará desapontá-lo nem mesmo depois de sua morte!
— Você amou mesmo ele não é?
— Não da forma que todo mundo pensa. Nós éramos companheiros de jornada, amigos leais. O que tínhamos era algo puro, sublime, que ninguém nunca entenderá e eu não ligo. O importante é que é real para mim. Que foi real para ele. Agora vê se deixa de covardia e assume quem você realmente é, homem! Isso não significa que você tem que ficar amarrado em mim pra sempre. Só seja livre! Eu vou te levar de volta pra fazenda. Já me atrasei demais por causa de uma besteira!
Engulo em seco.
— Não precisa. Pode ir encontrar com seu namorado. Eu vou andando — aviso e desço do carro com cuidado por causa da minha perna.
Ele desce logo atrás de mim e vem na minha direção.
— Dá pra parar de agir feito criança pelo menos uma vez na sua vida? Você está longe pra caralho da fazenda. Tem que se cuidar! Você não é mais aquele garotinho que esbanjava saúde!
— E desde quando você se importa, ham? — esbravejo me virando para fitá-lo. — Desde que eu cheguei aqui você tem me tratado mal pra caramba! Como se eu fosse um bicho com alguma doença contagiosa!
Vejo Ramon massagear as têmporas e respirar fundo.
— É o que você merece por ser tão imbecil. É automático. Não tenho nada para te oferecer a não ser desgosto.
— Isso é mentira! Para de tentar de se enganar! — berro. Felizmente estamos em um local praticamente deserto. — Você reagiu a mim quando eu te beijei, quando eu te toquei lá no estábulo aquela noite!
— Eu já te falei, Vladimir. Eu não vou ser mais seu brinquedinho descartável. Agora entra na merda desse carro.
— Está com pressa de ir encontrar com seu ninfeto?
— Não. Eu estou indo encontrar outras pessoas... Dois homens maravilhosos pelos quais eu já me apaixonei e fiz sexo de verdade!
— Desgraçado! — urro e parto para cima dele, mas acabo tropeçando e caio. Ramon corre para me ajudar, mas eu o empurro. — Me deixa em paz! — grito gemendo de dor, caído em cima da minha perna ruim.
Ele não se dá por vencido, me levanta, e me apoia em seu ombro. Dessa vez não contesto. Meu orgulho tem limite. Ele se suja da mesma terra que se impregnou na minha roupa. Me leva de volta pro carro, me ajuda a sentar e curva a poltrona para me deixar confortável. Depois vai lá fora pegar minha muleta e retorna.
— Você se machucou? Quer ir ao hospital?
— Não, não precisa. Nada que uma bolsa de gelo e um analgésico não resolvam — garanto segurando minha perna e fazendo careta.
— O que você arrumou? — ele pergunta mirando minha perna.
— Caí do cavalo e parti vários ossos...
— Poxa, Vladimir — Ramon suspira compassivo.
— Não se faz de coitadinho não! A culpa foi sua! — replico.
— Minha? O que foi que eu fiz? Eu nem estava lá!
— Eu vi você pela internet com esses dois caras com quem você está indo se encontrar! Só pode ser eles! Foi por eles que você me largou, né?
— O único homem pelo qual eu fui embora, foi por você! Se você tivesse tido coragem de me assumir, eu teria ficado e enfrentado as consequências ou se você preferisse, nós teríamos fugido juntos! O Daniel e o Ícaro eu conheci depois.
— Anram sei!
— Eu estou falando a verdade! E mesmo estando com eles, eu nunca deixei de te amar!
Essa declaração causa um rebuliço no meu ser.
— Está falando sério?
— É claro! E eu continuo te amando... Mesmo você sendo esse patife!
Não me aguento mais. Puxo Ramon para mim e o beijo extravasando todo o tesão e o sentimento acumulado estes anos sem seu corpo no meu.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Beba deste cálice (CIGANO/GAY)
RomanceRamon é cigano, pertence a etnia Calon e cresceu levando uma vida peregrina pelo Brasil até sua comunidade finalmente conseguir se instalar em terras mineiras. Ele se entende gay e terá que enfrentar a própria cultura para ser quem realmente é.