Cap 4

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Bebo mais um gole de bebida enquanto observo Vladimir se aproximando no meio do mato em penumbra com sua barba castanha amarelada cheia, sua pele morena bronzeada e seus olhos cor de folha seca reluzindo a luz da lua.

Ele arranca a garrafa da minha mão, furioso. Já perdi a conta de quantas dessas eu bebi.

— Perdeu a vergonha, Ramon? Vai ficar se embebedando?

— Eu não me importo. É a única forma de eu aguentar tudo isso, calado. Você demorou! Achei que não vinha mais.

— O que você quer? É o dia do meu casamento. Eu te avisei que ia ficar difícil de nós nos vermos com tanto movimento e gente em cima de mim. Sua irmã fica grudada em mim o tempo todo.

— O problema é esse, Vladimir. Eu tenho medo de não conseguirmos mais nos encontrar depois do casamento.

— Você sabe que eu não fico mais sem você. É claro que vamos continuar nos vendo.

— Eu não sei não... Eu não suporto mais tudo isso... Está muito difícil... Eu não sei se consigo continuar com essa farsa.

— E o que você quer que eu faça?

— Quero que fuja comigo. Ainda está em tempo. Eu tenho dinheiro o suficiente pra nos manter por alguns meses longe daqui.

— Eu já disse que eu não vou fugir. Não vou dar esse desgosto pra minha família nem pra sua irmã. Você quer que ela sofra, é isso?

— Claro que não, nós não temos culpa de termos nos apaixonado, não dá pra colocar a felicidade dos outros acima da nossa, isso não é ser egoísta, é nos colocarmos em primeiro lugar, nós também existimos. Eu andei pesquisando. A maioria dos ciganos estão mais evoluídos que nós. As moças já podem sair pra trabalhar, estudar, podem usar calças e escolher com quem vão casar ou se vão se casar um dia. Nós também podemos escolher nosso próprio destino.

— Por que você fica se comparando com as outras pessoas? Nós somos nós e temos as nossas tradições. Você não devia ficar misturando as coisas. Quer mudar o que sempre existiu antes de sequer pensarmos em nascer! Olha, eu vou voltar pro acampamento. Já devem ter notado nossos sumiços. E você toma um banho gelado pra refrescar as ideias e curar essa bebedeira. Depois que a cerimônia acabar, nós conversamos melhor sobre a nossa situação. Certo?

— Então é isso? Simplesmente vai me deixar aqui seu imbecil? — totalmente nervoso, lhe dou um empurrão.

— Para com isso, Ramon. Você sabe que eu não tenho escolha!

— É alguma marionete por acaso? É claro que você tem escolha e você está escolhendo desistir de mim!

— Do que você está falando?

— Ou você foge comigo ou a gente termina tudo que temos aqui!

— Você não pode estar falando sério, está?

— Eu nunca estive falando tão sério em toda a minha vida. Decide logo!

Há um minuto de silêncio ensurdecedor, intenso e angustiante.

— Eu não acredito em você. Está bêbado e sua ameaça não passa de um blefe. Faz como eu te falei. Cura essa bebedeira e depois a gente se fala direito.

— Por favor, Vladimir! — o agarro e começo a beijá-lo. — Não vê que eu estou desesperado? Eu te amo. Vamos fugir e viver esse amor.

— Eu também amo você, mas não é certo fugir e fazer nossa família sofrer — com a mão livre ele acaricia meu rosto com nossos lábios muito próximos.

O empurro pra longe de mim de novo.

— Dói aceitar isso, mas a verdade Vladimir é que você não me ama. Se me amasse como está dizendo, fugiria comigo sem pensar duas. Vai lá, volta pra festa.

— O que você vai fazer?

— O que eu farei daqui para frente não será mais da sua conta — anuncio e me afasto com o coração em pedaços.

Ele não acredita que sou capaz de deixá-lo. E eu não pretendo continuar me humilhando e vivendo uma mentira.

Sigo para a tenda da minha família. Aproveito que todos estão distraídos com a festa e junto pertences essenciais em uma mochila, além é claro do dinheiro que consegui juntar
nos últimos meses vendendo meus artesanatos. Não é justo eu fugir com as joias do dote e deixar minha mãe desamparada, uma viúva que não tem como se sustentar. Mas eu sei que o Vladimir e a família dele vão cuidar dela no meu lugar. Minha comunidade  preza muito o respeito pelos mais velhos.

O único bem que vou levar comigo é a moto que comprei com meu dinheiro. A primeira pessoa que me vem na cabeça é Daniel. Então piloto até a pensão onde ele está hospedado. Ele me pareceu um cara legal e não deve se importar em me receber por enquanto.

Quando chego no local, a recepcionista me deixa subir sem problemas e eu bato na porta várias vezes, mas ninguém atende. A mulher disse que ele ainda está na cidade e foi o que o mesmo me garantiu ontem à noite. Ela também me disse que ele chegou por volta de umas oito horas e não saiu mais. Só pode estar dormindo. É claro que eu tenho dinheiro para pagar um quarto, não preciso dormir na rua, eu não sei por que mas eu gostei do Daniel e quero a companhia dele. Estou prestes a desistir quando a porta enfim se abre.

— Ramon? É você? — ele pergunta sem camisa revelando um abdômen peludo e musculoso com cara de sono.

— É, sou eu mesmo, me desculpa te procurar a essa hora da madrugada.

— Tudo bem, vem, entra aqui. Fui eu que te incentivei a me procurar quando quisesse ontem, se lembra?

— Por isso estou aqui — entro e fecho a porta.

Ele olha de mim para minha mochila e vice-versa:

— Aconteceu alguma coisa?

— Estou com problemas de família e queria um lugar pra passar o resto da noite, mas se você não me aceitar, tudo bem, eu procuro outro lugar.

— Ei, relaxa. É claro que você pode ficar aqui comigo. Mas toma um banho antes ok? Você está fedendo a bebida.

Sorrio constrangido. Estou mesmo.

Ele se deita e se cobre sem vergonha alguma como se nos conhecêssemos a vida toda.

— Tem toalha limpa lá no banheiro.

— Obrigado.

Sigo as orientações dele e quando termino fico parado perto da cama sem saber o que fazer.

Quando estou cogitando em dormir no tapete, Daniel que parecia estar dormindo de novo, de repente se vira e me encara:

— Ei, o que está fazendo parado aí? Vem deitar. Eu não mordo.

— É que eu não sabia se podia...

— Claro que pode, gato.

— Você não tem medo de dar tanta liberdade pra um desconhecido?

— Por quê? Você é um psicopata?

— Claro que não.

— Bom, se fosse você não diria né? E você acha mesmo que só porque eu tenho boceta eu não sei me defender? Que machista hein! Deita antes que eu te coloque pra fora...

Ele diz a última frase com um tom de riso. Eu simplesmente me deito ao lado dele e me cubro. Pelo visto eu tenho muito o que aprender com Daniel.

Beba deste cálice (CIGANO/GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora