Vladimir
Eu quero gritar, mas nenhum som sai. Eu quero correr, mas minhas pernas estão congeladas. O que eu vou fazer agora? Além de me odiar por não conseguir abrir a porta que está bem na minha frente? Todos querem algo a mais, mas são fracos demais para exprimir. Eu queria ser forte e corajoso, mas o mundo pode não estar preparado para mim, para tanta intensidade... Por isso, me mantenho contido atrás de uma muralha psíquica...
Eu precisei ser ignorado por Ramon para tomar coragem de me assumir de uma vez para toda a minha família. Eu sei que havia dito para ele que iria falar com meus filhos primeiro, mas, mais uma vez eu me acovardei e só o medo de vê-lo escapar novamente me fez acordar pra realidade e tomar ciência do que eu estava prestes a perder por puro orgulho. Eu não podia deixar isso acontecer e por isso me revelei na frente de todos. A questão é que, eu fiquei com vergonha de encarar os fatos e decidi dar um tempo longe de todos, para pensar no que fazer daqui para frente e me preparar para enfrentar minha comunidade, ou quem sabe nunca mais voltar para lá...
Furtivamente, eu juntei minhas coisas e vim pra rodoviária. Eu sempre quis retornar em Sergipe e resolvi que seria um ótimo lugar para passar uma temporada e colocar as ideias em ordem.
Só que, quando eu já estava dentro do ônibus, Ramon apareceu, me cobrando atenção mais uma vez. Eu não o culpo. Deixá-lo sozinho depois de ter lançado a bucha de canhão não foi uma atitude muito nobre da minha parte. Mas, ele já devia saber que eu não sou destemido e vigoroso como ele.
Estaco parado no meio do corredor do ônibus com os passageiros sussurrando a respeito do que acabou de acontecer e me olhando expectantes, não sei se de horror por presenciar um homem se declarando para outro, ou apenas torcendo para que nos acertemos.
Ramon está certo mais uma vez. Por quanto tempo mais eu vou continuar fugindo? Daqui a vinte e três anos, um dos dois, ou os dois, podem não estar mais vivos e vamos morrer assim? Sem viver esse amor? Depois de tudo o que passamos por causa desse sentimento, não seria justo conosco. Além do mais, ninguém vai parar de viver a própria vida por nossa causa, então por que diacho nós temos que nos sacrificar tanto? Ramon tem razão. Não estamos fazendo nada de errado. Apenas nos amamos e desejamos ficar juntos como um casal e se nossa família não aceitar isto, tudo o que nos resta é seguirmos em frente com a consciência de que não somos um erro, que vergonhoso é não respeitar as pessoas como elas são, e que se eles não quiserem permanecerem na nossa vida, a culpa não é nossa, mas sim do preconceito deles que os limita a tal ponto. Quanto a isto, não há nada que possamos fazer. Não dá pra mudar ninguém além de nós mesmos.
Uma sensação de água escapando pelos meus dedos toma conta de mim. Reajo. Me apresso em pegar minha bagagem e grito para o motorista, que já tinha dado partida, parar o ônibus. Desço andando o mais rápido que sou capaz devido a minha deficiência na perna e encontro Ramon no estacionamento, a um passo de entrar em seu carro para ir embora, com uma expressão amargurada, mesclada com decepção e mágoa.
- Ramon! Espera! - falo alto para ele me escutar e ele olha para trás. Seu rosto se ilumina e seus olhos ganham um tom de esperança. - Me desculpa... Eu fui um imbecil... Eu não vou mais a lugar nenhum, a não ser que seja para os seus braços. Eu estou disposto a enfrentar tudo e todos para ficarmos juntos. Se você ainda me quiser, é claro.
Ramon não me responde. Ele fica parado pensativo e um sorriso de lado brota em seus lábios, depois ele vem correndo até mim e me beija. Eu petrifico por um instante. Nunca me imaginei tendo essa espécie de intimidade com outro homem perto de outras pessoas, ainda mais desconhecidos. Eu sempre tive medo da rejeição e dos julgamentos alheios. Mas algo no meu cerne finalmente se liberta das correntes invisíveis que me mantinham encarcerado dentro de mim mesmo e eu correspondo sem pudores.
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Beba deste cálice (CIGANO/GAY)
RomanceRamon é cigano, pertence a etnia Calon e cresceu levando uma vida peregrina pelo Brasil até sua comunidade finalmente conseguir se instalar em terras mineiras. Ele se entende gay e terá que enfrentar a própria cultura para ser quem realmente é.