Cap 20

63 10 0
                                    

Desperto ainda um tanto sonolento. Os últimos dois dias foram bastante corridos. Tive que resolver tudo sozinho. Jacobino não pôde contar com sua família nem na hora da morte. Tateio a cama procurando meu celular e olho as horas, já são oito da noite. Dormi pra caramba, porém continuo me sentindo cansado. A última vez que fiquei de luto foi no dia da morte do meu pai. Será que minha mãe ainda está viva? Tantos anos se passaram e eu nunca mais soube nada da minha família. E Vladimir, como estará? Bom, melhor deixar as coisas como estão. Há um ditado que diz que quanto mais se mexe na merda, mais ela fede. E acho que faz sentido.

Me levanto e vou me arrastando até o banheiro. Lavo o rosto e passo uma água na boca. Fito meu reflexo no espelho, o cabelo comprido até os ombros, a barba cheia com um fio branco aqui e acolá, e meus olhos castanhos transparecem tristeza e exaustão. Bom, pelo menos minha cara está combinando com a roupa preta. Volto pro quarto e calço meus sapatos. Preciso comer alguma coisa, afinal saco vazio não para em pé e eu tenho uma fortuna para continuar administrando do jeito que aprendi com meu mestre.

Saio do meu quarto, passo pelo corredor e encaro a porta do quarto de Jacobino. É óbvio que dormíamos em quartos separados. Nós não tínhamos nenhuma ligação romântica muito menos sexual, apenas fraternal, apesar de todo mundo achar o contrário, a verdade é que eles sequer fazem ideia de que Jacobino fez um voto de castidade quando se entendeu gay. Apesar de se aceitar homossexual ele preferiu não manter relações homoafetivas por uma questão pessoal que ele não revelou nem mesmo para mim. Mas acho que ele tinha vergonha de se relacionar com outro homem e optou por levar uma vida solitária. Talvez eu me mude pro quarto dele. Estar no cômodo que ele ocupou por tantos anos fará com que eu me sinta envolvido por sua aura.

Desço as escadas discretamente como sempre faço. Já cansei de ouvir os parentes de Jacobino falando mal de mim pelos cantos, e ser furtivo me possibilita ouvir coisas que eles não tem coragem de dizer na minha cara. Não dá outra. Eles estão acomodados na copa, jantando e falando mal de mim, é claro. Fico atrás da parede, ao lado da entrada para escutar o que eles estão falando dessa vez.

- Eu ainda não consigo acreditar que o meu sobrinho deixou toda nossa fortuna para aquele calhorda. Eu já devia saber, desde o primeiro dia que ele pisou nas nossas terras pedindo asilo que nosso futuro estava comprometido - Eustáquio comenta com a voz carregada de ódio.

- Eu também nunca gostei dele... - Virgílio complementa. - Não podemos simplesmente ficar parados e aceitar esse testamento.

- E o que podemos fazer papai? - o filho mais velho de Virgílio, Pedro indaga. - Está na cara que Ramon seduziu nosso primo. Agora ele vai encher o amante dele de ouro enquanto fazemos papel de idiotas. Não duvido que ele deve colocar aquele ninfeto aqui, agora que meu primo não está mais entre nós.

- Eu não sei não... - Leonor, a esposa de Virgílio se manifesta. - Eu acho que o Jacobino não estava muito bem da cabeça... Podemos contratar um advogado e alegar que ele não estava sobre o domínio de suas capacidades mentais quando fez aquele testamento. O Ramon não passa de um usurpador.

- Meu Deus do céu! - Sara a filha mais nova de Virgílio e Leonor e a mais sensata da família, exclama. - Por que é tão difícil para vocês aceitarem que o Jacobino amava o Ramon e por isso confiou nele todo o nosso patrimônio?

Não me contenho mais. Essa é a minha oportunidade perfeita de me defender.

- Exatamente, Sara - anuncio deixando meu esconderijo para encará-los. Todos me olham com surpresa. - Jacobino não estava demente, se é isso o que vocês estão achando. Se vocês se importassem realmente com o bem-estar dele ao invés de ficarem torrando o dinheiro do lucro dos negócios, saberiam que ele tinha uma doença cardíaca gravíssima e precisava fazer um transplante. Infelizmente ele não teve essa chance.

Beba deste cálice (CIGANO/GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora