Estou estranhamente feliz. Tomei um banho caprichado cantarolando. Pareço o mesmo adolescente apaixonado que deixou Vladimir há muitos anos. Há um frio gostoso de expectativa no meu estômago. Passo até perfume. Quando estou terminando de vestir a camisa, ainda preta porque continuo de luto, alguém bate na porta. Será que eles já chegaram? Meu coração acelera.
- Pode entrar! - permito com um tom de voz alto o suficiente para que a pessoa do outro lado escute.
É Sara quem adentra meus aposentos que era de Jacobino. A moça de 18 anos está belíssima usando uma miniblusa decotada mostrando seu umbigo e uma saia longa para cobrir o baixo ventre (como mandam os costumes) bastante coloridas, uma maquiagem que a deixa ainda mais bela que o natural e muitas joias douradas que se confundem com o castanho claro quase loiro do seu cabelo longo. Ela senta na beirada da cama e suspira fundo, olhando ao redor.
- O cheiro dele ainda permanece... Agora entendo porque se mudou para cá - ela comenta com serenidade.
- É - interajo para não deixar a minha futura sobrinha no vácuo. Me sento na poltrona perto da cama, de modo que eu possa ficar de frente para ela. - Sinto como se ele ainda estivesse aqui...
- Obrigado por ter ficado para o meu noivado.
- Não precisa me agradecer, Sara.
- Não, eu quero que você saiba que diferente dos meus parentes, eu não te odeio, Ramon, e respeito muito o amor que vocês sentiam um pelo outro. Eu sei que vocês se amavam de verdade, do jeito de vocês, mas se amavam.
- Fico feliz de saber que você não pensa mal de mim.
- Eu sei que você deve estar achando que eu estou acomunada com meu avô e meu pai, mas não é verdade. Eu realmente amo o Lourenço.
- O nome dele é Lourenço?
- Sim, é esse o nome do seu sobrinho.
- Era o nome do meu pai - um leve sorriso saudosista brota em meus lábios.
- É, eu sei... Antes de saberem que o Lourenço é o seu sobrinho, eles não concordavam com minha escolha. Queriam um Kalon com mais posses. Você sabe como eles são gananciosos.
- Então você está admitindo para mim que eles só aprovaram o casamento porque eu como único herdeiro do seu primo, e sem filhos, provavelmente vou passar todo o patrimônio pros meus sobrinhos não é? É esse o plano do seu pai e do seu avô.
Sara assente cabisbaixa, visivelmente envergonhada.
- É o que se pode esperar deles - comento visto que ela não ousa mais opinar. - O mais importante nisso tudo é que você ama o Lourenço e ele a você. Na minha época as coisas não eram tão flexíveis.
- Eu conheço as histórias. Foi uma surpresa para eles quando souberam que você tinha se instalado aqui e casado com meu primo Jacobino.
- Então eles já sabem que eu deixei a comunidade porque sou gay?
- Sim, mas eu juro que não fui indiscreta em momento algum. Eu não sei dizer, Ramon, mas acho que foi coisa de Deus, do destino - Sara comenta suspirando apaixonada. Me sinto contagiado pelo sentimento que uniu nossas famílias. - Quando sua comunidade esteve nas nossas terras, eu não era nem nascida ainda.
- É, com esse lance de destino não se brinca mesmo - concordo. Eu sou a prova vívida disso. Depois de anos, acreditando que eu nunca mais veria minha mãe, irmã e Vladimir, isso está prestes a acontecer. - Vem cá - me levanto e a puxo para um abraço sincero e caloroso. - Vocês têm minha benção. Desejo que sejam extremamente felizes e quanto ao seu pai e seu avô, deixa comigo, ok? Com eles eu me entendo. Só aproveita cada segundo como se fosse o último.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Beba deste cálice (CIGANO/GAY)
Roman d'amourRamon é cigano, pertence a etnia Calon e cresceu levando uma vida peregrina pelo Brasil até sua comunidade finalmente conseguir se instalar em terras mineiras. Ele se entende gay e terá que enfrentar a própria cultura para ser quem realmente é.