Vladimir
Se tem algo que eu detesto mais do que esperar, é ser ignorado. E são as duas coisas que Ramon mais tem feito comigo desde nosso desentendimento no estábulo. Quando nos encontramos sozinhos em algum lugar, ele simplesmente finge que não me conhece, mas quando estou na companhia de um dos meus ou os seus familiares, ele se limita a me cumprimentar educadamente, provavelmente para não levantar suspeitas sobre nós, mas não que ninguém não esteja ciente de que não nos damos muito bem. Na verdade, acho que isso está bem claro para todo mundo, porém enquanto eles pensarem que é porque ele é gay e que abandonou sua comunidade para concretizar desejos sórdidos, minha reputação estará segura. Entretanto, Iaskara não tem razão? A que preço eu tenho que manter minha imagem deturpada de um Kalon íntegro? Não posso mais negar que o amor que sinto por Ramon tem me consumido lentamente todos estes anos. Isso está me matando aos poucos de insatisfação e infelicidade. Eu o odeio porque ele tem a coragem que eu não tenho para se assumir e desenvoltura o suficiente para não se importar com a opinião negativa que as pessoas possam ter dele.
Preciso conversar com ele antes de ir embora. Ainda não sei o que eu vou dizer, mas na hora de encará-lo, eu desembolo. Chego no escritório da Vinícola Costa e peço que Lourdes anuncie minha presença a ele.
— Desculpa, senhor Vladimir, mas o Ramon está fazendo uma entrevista com um jornalista que veio de São Paulo.
— Ah. Será que eles vão demorar?
— Não sei te dizer, senhor. Mas já faz um bom tempo que eles estão lá dentro e pelo que eu pude ouvir do tom do senhor Ramon, eles são conhecidos de longa data. Devem estar botando os assuntos em dia. Mas se você quiser esperar. Fica à vontade.
Suspiro fundo. Bom, melhor eu ter paciência. Não vou ficar mofando aqui. Pelo que Lourdes disse eles vão demorar. Vou esperar até a hora do jantar e depois arrumo um jeito de ficar sozinho com ele.
Aliás, que conhecido de Ramon será esse? Será do tempo em que ele morou lá em São Paulo? Uma sensação de angústia toma conta de mim.
— Senhor Vladimir? — Lourdes me chama, visto que eu estou paralisado, pensativo.
— Ah, bem, — reajo. — Eu falo com ele mais tarde quando ele for pra casa.
— Tudo bem então, senhor.
— Até mais e obrigado.
— Imagina!
Decido não voltar para a casa ainda e andar pela propriedade até dar a hora do jantar. Confesso que durante a noite eu tenho me segurado para não invadir o quarto dele na surdina. Mas sempre desisto com medo dele fazer um escândalo e acordar todo mundo. Ramon não é mais o mesmo apaixonado que cedia a todas as minhas investidas.
Enquanto caminho ao redor do lago, ouço um carro se aproximar e parar na estrada ao lado. O sogro do meu filho desce de seu automóvel caro e vem até mim. Ilustro uma expressão amigável para recebê-lo.
— Foi ver seu namoradinho e acabou dando com a porta na cara, não é? — ele lança e eu perco a descontração.
— Do que está falando?
— Ah, não se faça de tolo porque você pode ser tudo, menos isso. Eu já sei do seu caso juvenil com o Ramon — Virgílio dispara visivelmente sarcástico e enojado.
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Beba deste cálice (CIGANO/GAY)
RomantizmRamon é cigano, pertence a etnia Calon e cresceu levando uma vida peregrina pelo Brasil até sua comunidade finalmente conseguir se instalar em terras mineiras. Ele se entende gay e terá que enfrentar a própria cultura para ser quem realmente é.