Cap 9

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- Fizeram boa viagem? - o homem de pele escura com o cabelo crespo pergunta ainda abraçado a Daniel e eu fico parado sem reação.

- Sim, ótima! - Daniel finalmente se solta dele e presta atenção em mim. -Esse aqui é o Ramon, Ramon esse é o Ícaro, meu namorado.

- Então você é o Ramon! - o tal Ícaro enfatiza me oferecendo sua mão. - Daniel falou tanto de você por mensagem que eu fiquei extremamente curioso para te conhecer e agora te vendo pessoalmente, tenho que admitir que os elogios não te fazem jus.

Não quero apertar a mão desse cara. Continuo congelado. Por que Daniel não me contou que é comprometido? Eu não passei de uma aventura para ele? É difícil. Não dá pra simplesmente engolir isso. Ele fica com a mão parada e um clima estranho se instala na sala. Dou as costas e saio andando depressa. Aperto o botão do elevador, mas essa joça não chega, então procuro pela escada e assim que a encontro, desço em disparada. Ouço Daniel vindo correndo atrás de mim gritando meu nome sem parar até que ele me alcança e me puxa.

- O que está fazendo? Onde você vai?

- Sei lá, pra qualquer lugar longe de você. Você mentiu para mim.

- Eu? Claro que não! Você que não perguntou se eu tinha namorado. Eu apenas deixei pra vocês se conhecerem antes de dizer qualquer coisa. Além do mais, não há com o que você se preocupar, nós temos um relacionamento aberto. Ele sabe o que rolou entre a gente e não se importa. Relaxa, gato.

- Isso tudo é moderno demais para mim.

- Você não é nenhum troglodita. Para com isso. Eu não quero que você saia andando por aí sem rumo, que durma na rua, que seja assaltado ou coisa assim... Você entra, toma um banho, come alguma coisa e amanhã com a cabeça mais fria a gente conversa melhor sobre isso.

Reflito por um instante. Daniel tem razão. Eu também não quero ir para a rua. Ao contrário do que os gadjés pensam, nós ciganos não temos exatamente o nomadismo como característica da nossa etnia. Antigamente vivíamos de um lugar para o outro porque éramos obrigados, já que não tínhamos terras e os não-ciganos não nos queria perto deles. Hoje em dia vive assim quem quer ou quem precisa, pois assim como os gadjés há ciganos de várias classes econômicas, uns são ricos e outros vivem abaixo da linha da pobreza.

- Certo. Mas acho que seria pedir demais não encarar seu namorado ao menos por enquanto. Afinal, a casa é sua...

- Tudo bem, eu entendo. Eu vou conversar com ele e já volto pra te chamar, ok?

- Unrum.

Daniel sobe as escadas e só aparece uns dez minutos depois.

- Pode vir, ele já foi.

Fico aliviado. Ele me conduz de volta para seu apartamento, me mostra o quarto onde eu vou ficar hoje, o da filha dele quando ela vem pra cá, o banheiro, me dá toalhas limpas e avisa que se eu precisar de qualquer coisa é só falar com ele. Agradeço sem muita emoção. Ainda estou chateado com ele. Tomo um banho e me tranco no quarto. Fico deitado no tapete pensando, me sentindo um idiota, até pegar no sono.

Acordo com Daniel batendo na porta. Todo amassado o atendo.

- Desculpa te acordar, mas é pra te avisar que eu estou saindo, vou lá na escola da minha filha com o pai dela resolver o problema que te falei, você pode ficar a vontade e preparar alguma coisa pra você comer. Eu não devo demorar. Quando eu chegar a gente conversa, pode ser?

- Certo - digo seco.

- Está bem acomodado?

- Estou sim, não precisa se preocupar comigo - não consigo esconder minha decepção.

Beba deste cálice (CIGANO/GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora