Cap 29

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Tudo acontece muito rápido. Em um minuto eu estou chegando do passeio maravilhoso que tive com Daniel e Ícaro, me sentindo um adolescente apaixonado com os hormônios a flor da pele; no outro, com enfim todos reunidos na mesa, nos preparando para interagir e nos despedirmos dos visitantes, posteriormente e inesperadamente, Vladimir pede o direito da palavra e se assume gay para toda a família e depois, simplesmente sai andando como se não tivesse jogado uma bomba nessa fazenda, nos deixando com um estrago espantoso.

Até então estático, finalmente consigo reagir e olhar para os lados para me inteirar da reação dos presentes. Avisto Tabata com uma expressão descontraída, a garota está literalmente se divertindo com a situação. Já o semblante de Iaskara está tranquilo como se tivesse tirado um chumbo das costas. Os outros, inclusive Lourenço, se encontram estupefatos, burburinhos reverberam pela copa, mas o estado mais preocupante dos que participaram da revelação, é a da minha mãe, que está pálida e tremendo sem parar. Assim que eu coloquei os olhos nela, ela desaba, e teria caído e se machucado feio se não fosse Pedro que está mais próximo dela a segurar.

Corro para ela e a confusão aumenta. Tento acordá-la de todos os jeitos possíveis com a ajuda de Iaskara. Tabata pede licença e inicia um procedimento de emergência, pedindo para que nos afastemos pra dar espaço e oxigênio. Ela deita a minha mãe de barriga para cima, com a cabeça pro lado e eleva suas pernas. Alguns minutos se passam e dona Florença começa a despertar. Olhamos admirados para Tabata.

— Que foi? Aprendi primeiros socorros em um curso extracurricular — ela conta dando de ombros.

— Eu vou levá-la para o sofá para que ela fique mais confortável! — anuncio pegando-a no colo em seguida, até a sala de estar ao lado da de refeições. Iaskara arruma as almofadas para que nossa mãe apoie as costas.

— Eu vou pegar um copo com água para ela! — Raquel que acompanhou toda a balbúrdia se prontifica e aparece na sala após alguns segundos.

Iaskara e eu a ajudamos beber.

— Bom, agora que a dona Florença está melhor, acho melhor darmos privacidade pra eles... — Sara orienta, sensata como sempre.

Os demais, sem terem o que dizer ou o que fazer mediante a situação, visto que é um assunto pessoal, vão embora aos poucos até que ficam somente Iaskara e eu.

— Se precisarem de algo é só me chamar. Vou ficar por perto  — minha irmã avisa apertando meu ombro carinhosamente. Correspondo dando um beijo no dorso de sua mão e a vejo se afastar das nossas vistas.

Engulo em seco, tomando coragem para encará-la. Quando consigo, me sento no sofá, na beira dos seus pés que foram descalços.

— Mãe... Eu... — balbucio massageando as têmporas.

— Não fala nada — ela se manifesta fazendo um sinal de pare apontando para meu rosto. — Nada do que você disser vai ser capaz de diminuir minha vergonha, minha decepção e meu asco! Meu filho e meu genro envolvidos nessas práticas sórdidas. Se seu pai ainda estivesse vivo, ele morreria mais uma vez!

— Mas ele não está! — solto irritado. — Você não consegue dar sua opinião sobre algo sem mencionar meu pai? Você parece uma sombra dos homens dessa família! Não tem identidade, personalidade própria? — ela fica calada, provavelmente processando o que eu acabei de acusar e eu aproveito para prosseguir, vomitar tudo o que eu guardei por todos estes anos e que está quase me sufocando. — Você pode considerar a homossexualidade uma vergonha, mas para mim não é. Eu tenho orgulho de ser quem eu sou. É a minha natureza. Faz parte de mim e isso não me torna melhor ou pior do que ninguém, isso não interfere no meu caráter, eu só me atraio sexualmente e romanticamente por homens e qual é o problema? Eu não estou fazendo mal pra ninguém! Até mesmo a Iaskara, a maior vítima disso tudo, já sabia e não se importa — minha mãe arregala os olhos — O que te impede de me aceitar ou apenas me respeitar é um tolo preconceito que está enraizado na nossa comunidade! Me relacionar com homens não me impede de ter filhos e partilhar nossa cultura com eles. Mas isso não significa que eles não possam fazer suas próprias escolhas e serem quem a natureza fez deles. Nosso único erro foi não nos assumirmos antes de causar tanta dor. Poderíamos ter evitado muitas coisas se tivéssemos tido a coragem que adquirimos com o tempo. E o fato de você nos odiar por isso, não irá mudar nada na nossa vida. Continuaremos sendo gays. Ou você se conforma com isso, ou vai me perder de novo — sou objetivo e me levanto, ajeitando minha roupa, decidido. — Melhoras. Se cuida — arremato e saio a procura de Vladimir. Uma longa conversa nos aguarda. O procuro por todos os cantos da propriedade e não o encontro em lugar nenhum. — Iaskara — vejo minha irmã saindo do quarto onde minha mãe está hospedada e a interpelo. — Onde está o Vlad?

— Ele juntou seus pertences numa mala e se foi.

— Como assim se foi? Pra onde?

— Eu não sei. Acho que pra rodoviária. Ele deve querer um tempo sozinho pra pensar nos últimos acontecimentos e com razão não é?

— Sim, mas ele me deve uma explicação. Ele não pode nos expor assim e me dar as costas!

— Nossa mãe está melhor. Está descansando e nós decidimos adiar a viagem para amanhã quando ela estiver cem por cento recuperada. Vá atrás dele. Eu cuido de tudo por aqui.

— Tem certeza?

— Absoluta.

Sorrio dando um beijo em cada um dos lados das bochechas da minha irmã e me apresso. Talvez eu ainda tenha tempo de encontrá-lo.

Quando estou prestes a entrar no carro, Virgílio me interrompe. Solto uma arfada impaciente.

— O que você quer? Já não basta ter criado toda essa tempestade por causa de uma herança que me pertence, ham? Aceita que dói menos! — disparo. — Ou vão embora das minhas terras! — não espero resposta, entro no carro e dirijo rapidamente, fazendo o pneu cantar.

Estaciono na rodoviária e saio procurando por Vladimir. O encontro na área de embarque, pronto para subir em um ônibus com destino ao nordeste.

Entro no ônibus atrás dele e o chamo. Todos me encaram, principalmente ele, que não parecia me esperar por aqui.

— Você ia embora depois de despejar tudo aquilo em cima de mim? — indago descrente, sem me preocupar com os olhares curiosos sobre mim.

— Ramon... eu... — Vladimir gagueja olhando ao redor, constrangido.

— Foi pra isso que me pediu uma chance? Pra ir embora no momento em que eu mais preciso de você?

— Não... Não... — ele bem que tenta se manifestar mas minha euforia não permite.

— O que está pensando Vladimir? Esperar mais vinte e três anos para tentar se entender comigo? Ou você desce desse ônibus agora, ou pode me esquecer e dessa vez para sempre! — explano e saio do ônibus tentando controlar a raiva e a decepção.

Fico do lado de fora, com o coração batendo aceleradamente, ansioso. O motorista dá sinal de que vai dar partida e nada do Vladimir aparecer. Ele é um covarde e eu já devia ter desistido dele há muito tempo.





Beba deste cálice (CIGANO/GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora