Capítulo 2

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Esse capítulo pode gerar gatilhos, então se não se sentir confortável recomendo que não leia.

O dia hoje foi igual aos outros: almoçar, fazer atividades de casa e ajudar as irmãs com os pequenos. Agora são quase seis da noite, e como regra da instituição temos que comparecer a uma capela para oração. Por ser uma instituição ligada à igreja e coordenada pelo Padre Manuel, que é o diretor do orfanato, eu até entendo essa regra e como eu não quero receber um castigo, vou ao encontro de todos. Quando adentro a capela percebo que todos já se encontram no local e dessa vez as crianças não fazem barulho, e nem podem, devemos respeitar o lugar sagrado.

No púlpito está o Padre Manuel se preparando para a oração. O padre é um senhor com uma barriga saliente que pode ser observada mesmo vestindo uma batina. Assim que entro ele olha para mim de uma forma que não sei explicar, e com esse olhar segue todos os meus passos e isso me deixa nervosa, com isso apresso os meus passos para sentar e me esconder dos seus olhos, no entanto o único local vago fica bem na sua vista, na primeira fileira. Vou até o lugar e mesmo não olhando para ele sinto que seus olhos estão sobre mim e isso me deixa desconfortável, e quando estou assim eu tenho a mania de fechar a minha mão e apertar com força, sentindo a dor das minhas unhas em contato com a minha pele, isso me permite esquecer o que está se passando e focar apenas na dor.

Não era a primeira vez que ele fazia isso, já faz um tempo que o padre tem esse estranho hábito de ficar me olhando em qualquer lugar. Na primeira vez eu achei que tinha feito algo de errado e que estava muito encrencada, e ele iria me chamar atenção, mas a repreensão nunca veio e as suas olhadas continuaram. Depois eu achei que fosse coisas da minha cabeça, mas seu olhar em mim tornou-se mais frequente e não mais disfarçado como era antes. Logo passei a evitar ao máximo estar no mesmo lugar que ele, no entanto havia um momento do dia que não tinha como fazer isso, na oração da noite antes do jantar.

— Que o Espírito Santo esteja com vocês. Fechem os olhos e tenham seus pensamentos em Deus.— E assim eu faço e após alguns segundos ele começa a rezar. Mesmo durante a prece a sensação de está sendo vigiada continua, e isso faz com que eu abra os olhos e assim que levanto a cabeça, vejo o Padre orando com seus olhos cravados em mim, e diferente das outras vezes ele sorri, causando arrepio em todo o meu corpo. Instantaneamente eu me encolho no lugar, abraçando o meu corpo ao mesmo tempo que fecho os olhos, pedindo a Deus que esse desconforto passe logo. Eu não sabia o porquê mais quase estava chorando, o olhar do Padre Manuel me remete sensações ruins e eu não gosto de me sentir assim.

— Luna, minha filha, a oração terminou. Vamos— diz a irmã Maria. Eu estava tão nervosa e querendo que aquela sensação fosse embora que nem percebi. Olho ao redor e todos já haviam saído e só estava eu, Maria e o Padre, e não querendo ficar mais ali, e pior, sozinha com ele, sigo a Maria.

— Irmã Maria, me espera, por favor.— E assim ela faz e eu a acompanho até a cantina onde janto com as outras crianças. Eu não estava com fome diante de tudo que senti a alguns minutos atrás, no entanto me forcei a comer tudo.

Já na cama, vestida com uma camisola branca longa, que chega até aos meus pés e com uma manga curta, deito na cama e oro agradecendo a Deus por mais um dia e sem esforço adormeço... Durante o sono tenho um pesadelo de está sendo perseguida por um cachorro de olhos vermelhos que quer me atacar e eu corro dele, quanto mais eu corro parece que mais perto o cachorro está de mim. Cansada de fugir, eu tropeço e o cão me alcança e além da cor dos seus olhos, vejo os seus dentes grandes e afiados quando ele abre a boca, e com muita rapidez ele avança sobre mim e nesse momento eu acordo sobressaltada, com o coração acelerado e suada. Após alguns minutos, com o meu estado mais calmo e com o meu cérebro entendendo que nada daquilo era real, eu tento voltar a dormir, mas não consigo, e assim passo uns trinta minutos inquieta, virando de um lado para outro na cama. Já cansada com a minha repentina insônia, sinto sede e decido levantar para ir beber água.

A mercê da maldadeOnde histórias criam vida. Descubra agora