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🖇 | Boa leitura!

Lamentações me eram um disco arranhado

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Lamentações me eram um disco arranhado. As pessoas me olhavam com tanta pena que eu me sentia pior do que já estava. É claro que minhas olheiras e meu total desleixo com a minha imagem alimentavam a certeza de que eu estava arrasado.

Desde que a Katy faleceu, eu não dormi mais do que uma hora por noite, comi alimentos processados apenas para sobreviver e mal vi a luz do sol. Pausei totalmente minhas atividades na empresa, deixando que o meu vice presidente assumisse tudo por mim por um tempo. Quanto tempo? De quanto tempo eu precisaria para superar? Parecia patético ter que dizer que estaria indisposto temporariamente. Aquela merda nunca iria passar.

O funeral aconteceu uma semana depois e foi a pior coisa que tive que viver. Minha mãe estava inconsolável, passou mal durante todo o tempo e meu pai tinha que se manter forte por ela, mesmo que claramente estivesse se forçando a segurar a si mesmo enquanto a segurava. Tentei ser útil, abraçá-la e mantê-la perto o quanto pudesse, mas a sensação que eu tinha era que a energia ruim da minha dor poderia contamina-la. Minha dor contaminava a todos.

Quando parei em frente ao caixão, a vi deitada usando um vestido branco com flores vermelhas bordadas e uma fita no cabelo de mesma cor. A maldita fita vermelha que ela esbanjava o tempo todo na infância. Não consegui chegar tão perto ou tocá-la. Não sentia que aquela era a minha irmã e eu não queria que fosse.

De repente eu comecei a sentir raiva. Raiva de mim por não conseguir nem olhar para ela direito, raiva por não ser capaz de dar todo o apoio necessário para a minha mãe e, mais ainda, raiva por não ter ido pegar a droga daquele vôo de sexta com ela. Eu tomaria cuidado, eu respeitaria os avisos de derrapagem e ela ainda estaria comigo.

Não consegui mais ficar ali, muito menos conseguiria durante a cremação. Fui embora do lugar sem me despedir de ninguém, nem mesmo dela. Me recusava a dizer adeus para a pessoa que sempre achei que estaria comigo até o fim dos meus dias. Com quem eu contaria agora?

Ao chegar em casa, arrumei as minhas malas e peguei o meu carro, começando a dirigir até o vilarejo de Siasconset, onde tínhamos uma de nossas propriedades mais belas e reclusas. Eu queria ficar sozinho por um tempo até me sentir melhor ou até desistir de mim e aceitar a nova realidade à força. As pessoas estavam me deixando ainda mais triste e eu deduzi que ficar longe daquilo que me fazia sentir mal seria um jeito de não pensar em definhar até morrer. Iria para um lugar onde ninguém sabia que a minha irmã havia morrido e onde ninguém ficaria me falando sobre isso a cada dois minutos.

Durante o trajeto, meu celular começou a tocar. Era a Anahi, minha melhor amiga. Ela e seu namorado Alfonso estavam viajando quando tudo aconteceu e disseram que voltariam a tempo para o funeral. Com certeza estavam se perguntando onde me meti. Desliguei o aparelho e segui dirigindo.

Estava tarde quando cheguei à casa no vilarejo. Me certifiquei de dispensar o caseiro antes de pegar estrada, então o lugar estaria completamente vazio. Com uma cerca enorme que separava o terreno da calçada, a casa possuía dois andares com duas salas, uma cozinha, quatro suítes e uma biblioteca. Mas não era a grandiosidade do imóvel que me chamava a atenção. O jardim que abraçava a casa era a melhor parte.

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