Capítulo 23

276 22 216
                                    


Clara sentia seu estômago doer de fome, revirava na cama de seu pai sem conseguir dormir. Perto das cinco da manhã não aguentou mais e se levantou, pegou Carijó II, colocou debaixo de seus braços, andou a passos leves para não acordar Petruchio e foi até a cozinha.

Olhou para o fogão e não achou nenhuma panela, procurou alguma fruteira e as bananas que tinham estavam verdes, olhou na despensa e só encontrou arroz, farinha branca e feijão cru. Foi quando reparou num saco pendurado no teto cheio de batatas. Estava mais de vinte e quatro horas sem comer, começou a se culpar de ter rejeitado a comida da Neca na noite anterior, prometeu a si mesma que não ia mais rejeitar comida nenhuma que ela lhe oferecesse, quando tirou duas batatas do saco. Olhou para o lado e viu que o fogão estava desligado, não fazia ideia como ligava o fogo para cozinhar as batatas e muito menos os passos que era cozinhar as batatas. Bateu os pés de ódio e olhou para a galinha.

— O que acha Carijó? Mal não há de fazer não é? - deu um sorriso amarelo e com a fome que estava mordeu a batata crua.

Estava mastigando com ódio e ouvindo a barriga roncar quando seu irmão entrou na cozinha.

— Ah rá! Sabia! Sabia! - ela se sobressaltou de susto e olhou brava para ele. - Tá morrendo de fome ao ponto de comer batata crua?

Ele começou a rir e Clara ergueu seus ombros tentando pensar numa desculpa para se sentir soberana.

— É claro que não estou com fome, eu só… eu só… sofro de gastrite aguda, como nosso avô Batista e morder batata crua é a única coisa que melhora meu estômago.

Júnior sacudiu a cabeça em negativa, sabia que era mentira, mas era uma ótima mentira ao ponto dele não conseguir contestar.

— Pois acho que tá morrendo de fome sim ao ponto de parecer um fantasma de tão pálida que tá.

— Você que parece uma assombração aparecendo na cozinha essa hora.

— Eu tava indo tirar leite das vaca, porque eu trabalho nessa fazenda, o contrário d'ocê.

— Ah quer saber? Vou voltar a dormir…

Clara deixou a batata crua mordida para trás e começou a se encaminhar para o quarto que o pai tinha reservado para si, não o quarto que ela dormia com ele. Pensou nas palavras: vaca e leite. Seu estômago revirou de fome de novo e sorrateiramente, saiu da casa sem que seu irmão fosse atrás.

Observou o galpão de queijo vazio e o curral onde as vacas dormiam. Quando viu um senhor tirando leite. Ela sabia que era o marido de Neca e resolveu fazer uma tentativa.

— Bom dia. - cumprimentou o mais meiga que conseguiu.

— Muito bom dia fia do seu Petruchio.

Clara sorriu e apontou pro balde que ele colocava leite.

— É daí que vem o leite? Das vacas?

— Ara, mas menina das Europa não sabe da onde vem leite? - ele começou a rir.

— Achava que vinha nas garrafinhas da padaria. - ela respondeu inocentemente.

— E como elas vão parar lá? Vindo da vaca. - ele continuava a rir. - Deve de nunca saber o gosto real do leite né? Leite de cidade nem tem gosto de leite. É aguado.

— Não sei mesmo o gosto do leite. Nunca bebi vindo da vaca assim.

— Ara! Mas experimenta.

Vicenzo pegou uma caneca e começou a encher direto tirando leite da vaca. Clara viu a caneca se enchendo, a espuma se formando e sua barriga roncando cada vez mais alto. Ele lhe entregou a caneca e ela bebeu sem nojo algum com a fome que estava desesperadamente. Bebeu tão rápido que mal sentiu o gosto aveludado e doce do leite.

Segunda chance Onde histórias criam vida. Descubra agora