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Não sei o que aconteceu, mas agora estou em um quarto pequeno, um breu total tomando conta do lugar. Também não há nada ao redor, apenas um espelho no centro do cômodo onde uma luz fraca e sem ponto de emissão ilumina. E o cheiro do lugar é repugnante, enjoento e forte. É estranhamente familiar, um calafrio horripilante sobe pela minha espinha com a sensação de reconhecimento. Minha cabeça começa a latejar e eu sinto algo rastejar pela minha coxa, meu instinto é sobressaltar assustada e olhar ao redor em busca de algo - alguém? - .
       Nada.
Não há nada.
Ao respirar fundo, sinto o gosto amargo do medo. O espelho na minha frente reflete minha imagem totalmente vulnerável e amedrontada, com mãos suando tanto e corpo tremendo sem parar como se eu fosse um cordeirinho prestes a ser devorado pelo lobo. Não consigo controlar essa reação miserável. É rápido, quase imperceptível, mas pego o vislumbre de uma silhueta aparecendo atrás de mim no meio da escuridão. Minha garganta entope no exato momento em que a percebo, não consigo respirar. E ainda assim tento enxergar seu rosto.
       Nada.
       Não há nada.
       A única coisa que consigo enxergar são seus olhos. Castanhos, e mesmo que não demonstrem muita coisa, a sensação que senti ao vê-los foi horrível. Eu vi, ele vai me matar. É como se eu soubesse que ele está aqui para me matar.
       Fechei meus olhos.
       Nada.
       Não há nada.
       Não há nada.
       Não há nada.
       O estrondo do espelho sendo quebrado me tira do transe e eu abro meus olhos de imediato. Não deu nem tempo de falar algo, ele me puxou pelos cabelos e eu tentei gritar, mas não resultava em nenhum som. Me debati, sendo arrastada pelo chão úmido, um cheiro forte de ferrugem invadiu meus sentidos e eu toquei o líquido que se apossava do chão. Sangue, muito sangue.
       Não há nada.
       Não há nada.
       Não há nada!

       Ofego assustada e abro meus olhos. Passo a mão pelos meus cabelos levemente úmidos de suor. Foi muito real.
O cheiro, a sensação, o toque...
       Levo meu tempo ajustando a respiração e então levanto da cama e me arrasto até o banheiro, ainda com as pernas trêmulas. Evitei olhar para o meu espelho, estava com medo.
       Uma calça jeans, uma camiseta branca lisa e um coturno de salto baixo preto compõem minha armadura para o dia. As minhas malas já estão prontas também, porquê eles vão simplesmente me mandar para um internato. Apenas porque não conseguem lidar com a própria filha.
       ㅡ Pronta? –Meu pai pergunta afobado assim que chego na sala de estar. Estão tão ansiosos assim para se livrar de mim?
       ㅡ Eu posso pelo menos comer? Ou vocês vão me chutar para fora? –Brinco com um tom ácido, mais do que chateada com a decisão deles.
       ㅡ Olha como você fala, sou seu pai. –Exaspera enquanto digita eufórico em seu celular. Solto uma risadinha nasal e caminho até a cozinha, desistindo de irritá-lo.
       Volto para a sala depois de tomar um café simples e minhas malas já tinham sido até levadas para o carro.
O caminho inteiro, cerca de quarenta minutos, fomos em um silêncio torturante.

ㅡ É literalmente uma prisão. ㅡMurmurei quando passamos pelos muros da escola. Já se podia ver três edifícios. O maior no meio era a escola em si. Os da direita e esquerda são os dormitórios.

ㅡ Se fosse uma prisão você não teria a mordomia que terá a partir de hoje. ㅡRevirei meus olhos.
Meu pai é o único que está abrindo a boca para me responder, minha mãe está calada desde quando saímos de casa. Nem olhou na minha cara até agora. Como sempre.

ㅡ Não pense que vou passar mais de uma semana aqui.

ㅡ O que está querendo dizer com isso? Se você ousar fazer a mesma coisa que fez na sua antiga escola, juro que te coloco pra adoção...

ㅡ Paul! ㅡMinha mãe o cortou espantada. Engoli em seco, saindo do carro e fechando a porta com força quando ele estacionou. Claro, não quero morrer. Não ainda. Não agora.

[...]

Joguei minha mala em cima da cama vaga e prestei atenção nas palavras da ruiva.

ㅡ E então? Você gostou? ㅡPeguei o uniforme devidamente dobrado e engomado na mesinha ao lado da minha cama. Retirei o mesmo do saco plástico e analisei.
Camisa social branca e uma saia azul escuro.

ㅡ Esse é o nosso uniforme? Usamos todos os dias? ㅡAchei bonito. Espero que dê um caimento bom em mim.

ㅡ Sim. Apenas no final de semana que é liberado. E a noite você usa seu pijama, claro. E na educação física é outro uniforme.

ㅡ Eu já tenho que vestir ou só amanhã?

ㅡ Só amanhã. Esse primeiro dia é de adaptação. E a diretora deve estar nos esperando na área da piscina. Lá tem uma parte para fazer refeições ao ar livre. Vamos? ㅡAssenti e logo saímos do quarto.
Mads é uma garota super gente boa. Parece ter uma personalidade forte e um caráter digno. Diferente de algumas pessoas aqui, que me olham torto e riem como se eu estivesse com uma melancia na cabeça.

Chegamos perto da piscina e a diretora logo apareceu.
Perto da piscina ela iniciou um discurso de boas vindas e explicou algumas das várias regras do colégio.
O que me chamou atenção foi: "Celulares apenas no final de semana." O que é isso?

Retiro espiritual?

Ditadura?

Regime fechado?

Meu Deus do céu. Ainda bem que eu sempre gostei de ler.

ㅡ Mads, como assim é proibido celular? ㅡQuestionei indignada.

ㅡ Pois é! No começo eu fiquei assim. Mas te juro, a diretora tem razão. Meus estudos melhoraram muito depois que eles criaram essa regra. Minha aptidão por leitura aumentou, minha ansiedade diminuiu aos poucos e depois de um tempo, passei a me preocupar primeiro comigo, e em último lugar com o pequeno aparelho que destrói sua saúde mental sem nem você perceber. ㅡParei para pensar um pouco. A Madelaine tem razão. Mas isso não significa que é o que eu quero, mesmo sabendo que vai me fazer bem. ㅡ Fica tranquila, nos finais de semana todos matam a saudade.

ㅡ Não acho que eu vá passar mais de um mês aqui.

...

The Crack - SprousehartOnde histórias criam vida. Descubra agora