Capítulo 22

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O calafrio se instala na minha nuca assim que paro em frente à Casa de Lamentações. O prédio tem uma aparência antiga, como se fosse ruir em pedaços. Quase não há luz do lado externo e o portão de ferro range quando abro as grades para a nossa entrada. Os cinco degraus que nos separam da porta que leva ao salão emitem grunhidos assustadores em meio ao mais profundo silêncio. Assim que estamos no recinto, sinto minha pele arrepiar. Não há música no ambiente e todos conversam baixinho, quase como se fossem sopros e não palavras. Momentaneamente, fico hipnotizado pelo contraste das roupas: absolutamente todos usam peças nas cores pretas ou brancas.

Fico meio desconfortável quando Ethan segura minha mão. Não falamos mais sobre a batida do seu carro no hidrante mais cedo porque ele está perfeitamente bem: sem machucados ou dor aguda. Busco seu olhar ligeiramente para me certificar dos seus desejos esta noite. Se necessário, precisarei relembrá-lo que não estamos aqui para diversão. Encaro fixamente os seus olhos, e ele, por outro lado, limpa a garganta e leva a mão livre à gravata borboleta. Devo admitir que seu terno preto é radiante e combina perfeitamente com o meu branco.

— Precisamos encontrar Hazel e Madison para o desfile. — Ele se aproxima mais, sussurrando as palavras assim como as outras pessoas fazem. Desde que o pastor Joe deixou de agredi-lo por conta da sexualidade, Ethan está menos intimidado sobre o que as pessoas pensarão sobre ele. — Após esse evento, estaremos indo para o mais longe daqui. Para sempre.

— Sim. — Respondo no seu mesmo tom e de forma automática. Poucos centímetros ao lado, perto da passarela, vejo Sam. Mais um pouco à sua esquerda, há uma escada espiral levando para o andar de cima. — Você vai ao camarim encontrar as meninas. Tenho que cumprimentar uma pessoa e logo nos vemos lá. — Acaricio sua mão e deixo-o sozinho.

O assoalho branco sob meus pés libera sons mais altos do que pensei ser possível. De todas as festas tenebrosas dessa cidade, o Baile Silencioso é o mais macabro para mim. Especialmente por ser uma contradição aos gritos de agonias que são escutados por quem passa em frente ao manicômio nos demais dias. O que fazem com os pacientes na noite de hoje? Onde eles estão agora? Quando estou próximo ao Sam, entendo que são questões para outro momento.

— Você realmente veio. — Digo baixinho e com empolgação.

— Sim. — Seu tom é meio tristinho e sei exatamente que é por ter me visto com o Ethan. — Mas não sabia que ia trazer seu namorado. Achei que fosse um encontro nosso.

— Ethan não é meu namorado. Somos amigos há muitos anos, Sam. — Ele não parece convencido agora. — Não precisa ter ciúmes. O que faço com você, jamais faria com ele. — Minto, porque Ethan e eu já chegamos a um nível que Sam jamais estará. — Confie em mim. Depois do desfile, me procure e sairemos daqui.

— Confio em você, Lyno. É o único amigo que já tive em toda a minha vida. — Seu tom de voz fica embargado. Só espero que não chore agora. Tudo que menos preciso é consolar alguém nesta noite. — Boa sorte com o desfile.

Por um momento, sou levado a um tempo-espaço em que desfilar e ser coroado rei do baile era importantíssimo para mim. Nesta noite, só preciso que meus pais, o prefeito e os senhores Wilkinson venham à festa. O lugar está relativamente vazio e ainda não os vi caminhando pelo salão. Estou contando com o sentimento de benevolência no coração deles para virem e realizarem suas doações à Casa de Lamentações.

Cruzo todo o salão de festas novamente após me despedir do Sam. Viro o corredor à esquerda, que leva ao camarim que fica logo atrás da passarela. Ethan e Madison conversam sobre algo enquanto Hazel mostra algumas roupas para uma estudante que não conheço. Depois de me trocar diversas vezes, não me sinto bonito em nenhuma das roupas. Hazel, a qualquer segundo, vai me jogar pela janela, mas não posso sair vestido de qualquer jeito.

O Renitente - O Preço da MentiraOnde histórias criam vida. Descubra agora