Capítulo 03

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— Mais alguém achou macabro ter um caixão vazio na igreja? — Hazel Cooper, uma das minhas amigas mais ricas, comenta após a garçonete deixar nossos cafés e biscoitos sobre a mesa. O cheiro forte da cafeína chega ao meu nariz quando a fumaça sobe intensamente. Seguro o copo de papel com cuidado para não queimar a mão e o trago aos lábios enquanto espero alguém se manifestar em relação ao seu comentário. Observo sua mão esquerda colocar uma mecha do seu cabelo longo e preto atrás da orelha quando ele cai sobre seu rosto ligeiramente.

— Vocês acreditam que Benjamin possa estar morto mesmo? — Madison Foster fita cada um com seus intensos olhos azuis quando comenta empolgadamente, como se estivesse tentando descobrir um mistério que já está resolvido. — Digo, sem corpo, não há morte. Não é mesmo? — Seu sorriso desaparece quando vê que mais ninguém fala nada.

— Qual é, Madison? Vamos duvidar da morte de uma pessoa? — Os músculos dos braços de Ethan Allgood, o filho do pastor Joe, contorcem-se quando seus cotovelos repousam sobre a mesa. — Ouvi rumores que ele foi arrastado pelo sequestrador até o penhasco, que arremessou seu corpo no rio. Impossível que tenha sobrevido à queda ou à correnteza, especialmente por falarem que havia muito sangue no local.

— Foi um início de férias intenso, pessoal. — Minhas palavras chamam a atenção de todos na mesa. — Morto ou não, Benjamin não está mais aqui e não podemos girar nossa vida em torno daquele garoto patético.

— Falando desse jeito faz parecer que está feliz com a morte dele. — Hazel deixa seu biscoito sobre o prato quando ouve o que digo.

— Não é surpresa para ninguém que Benjamin e eu travávamos um duelo há anos. — Furtivamente olho para a porta da frente quando a mesma é aberta com cuidado. O prefeito Jeremiah e sua esposa Sheila entram. É como observar um carro alegórico desfilando pela avenida, já que acenam para várias pessoas antes de sentarem em uma mesa mais reservada.

Hazel, Madison e Ethan acompanham meu olhar com atenção e viram-se lentamente para descobrir o que atiça minha curiosidade. O prefeito faz seu pedido, como qualquer outra pessoa faria e, antes de voltar à conversa com sua esposa, cumprimenta-nos com um aceno ligeiro e sorri levemente.

— Ele pode estar morto, mas a morte não vai transformá-lo em um anjo. — Mordisco meu biscoito de chocolate ao arrematar o assunto.

— Não foi que eu...

— Já chega! — Interrompo Hazel ferozmente e com veemência quando insiste no tema. — Podemos falar sobre qualquer outra coisa, menos isso. Eles se retraem na cadeira com desconforto, mas concordam sem relutância.

— Como anda sua campanha para ser coroado, mais uma vez, o rei do Baile de Inverno? — Ethan muda drasticamente o assunto, mas este é bem mais agradável aos meus ouvidos e me transporta rapidamente aos primeiros dias na escola. — Sabemos que o baile é só final do ano, mas é o principal evento e a competição começa cedo.

1º ano do ensino médio

Quase todos os alunos nos corredores da escola seguram um jornal. Desvio de cada um, sabendo exatamente qual o artigo que mais os interessa. Sinto que jatos de fogo são injetados nas minhas veias em grande escala, até que todo o meu corpo esteja preenchido pela ira fumegante. Ouço as vozes do Ethan e Madison pedindo que eu pare, mas estou determinado a seguir até a minúscula sala que fica a equipe do jornal do colégio.

Assim que atravesso a porta, encontro meu alvo em pé ao lado da mesa do computador, falando com algum idiota desse grupo decadente da escola. Jogo o jornal que seguro no seu rosto e todas as páginas esvoaçam pelo ar até atingirem o chão. Sua reação é a mesma que finge sempre: ingenuidade. A expressão de confusão mental que me lança é a substância que me falta para derrubar a pilha de jornal que está na outra mesa ao meu lado.

O Renitente - O Preço da MentiraOnde histórias criam vida. Descubra agora