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Dias atuais
Aspiro profundamente todo o vento que entra pela janela quando cruzamos a placa de saída da cidade que fica em frente ao bar gay. Pelo espelho retrovisor, permaneço encarando as palavras "Bem-vindo a Lie Place" enquanto Benjamin está concentrado na direção, nos levando para o mais longe desse lugar. Retorno o olha lentamente para a frente, ainda sem acreditar que estamos fugindo. Meu coração é preenchido pela certeza que vencemos juntos. A partir de hoje, sem pais ou investigadores. Uma nova vida. Juntos.
Meus pensamentos flutuam pelas janelas abertas como pássaros em direção ao céu. A excitação devido à nossa vitória me formiga a barriga como pequenas descargas de eletricidade, energizando meu interior como uma lâmpada em seu estado de maior luminosidade. O caminho para a liberdade é sempre pedregoso, em alguns momentos repleto de espinhos, mas estive à frente de todos eles para chegar ao fim da linha e cruzá-la rumo a uma realidade alternativa em que poderia ser eu mesmo: livre.
Repentinamente, todo o ar que entra nos meus pulmões cessa de forma brusca. Levo as mãos à região do meu pescoço e sinto um fio muito grosso me asfixiando. Tateio o encosto do banco buscando compreender o que está acontecendo, mas são tentativas falhas. Reviro os olhos tantas vezes que perco a noção de tempo, principalmente quando o ar começa a ficar cada vez mais rarefeito. Quando aceito que a situação não pode ficar pior, sinto um metal gelado perfurar minha barriga profundamente e uma dor aguda me faz companhia instantaneamente.
Com esforço, olho para baixo e minha roupa branca começa a ser tomada pelo vermelho do meu sangue. À medida que o tecido vai sendo substituído pela nova cor, me pego pensando que seria uma bela obra de arte se não fosse o sangue jorrando do meu corpo. Antes que eu tenha chance de finalizar meus pensamentos, a lâmina me perfura novamente, em outro ponto da minha barriga. Talvez eu esteja começando a ficar dormente, porque não sinto tanta dor quanto a primeira vez.
— Olá, irmão mais velho. — Parcialmente o ar volta ao meu pulmão quando a voz do Alex vem do banco de trás. O fio que prende meu pescoço afrouxa um pouquinho, o suficiente para retardar minha morte iminente.
No espelho, vejo seu rosto sorridente. Tateio a mão do Benjamin, implorando por ajuda, mas ele está indiferente à situação. Não esboça qualquer reação de pânico. Em vez disso, para no acostamento e sai do carro. Tento impedir, mas estou fraco. Ainda assim, quando abre a porta do meu lado, me esforço para sair correndo, esquecendo-me completamente do fio no meu pescoço. A dor é dilacerante na região e fico momentaneamente tonto.
Faço um grito se desprender da minha garganta devastadoramente quando sinto a lâmina que Alex segura perfurar o lado esquerda das minhas costas. Involuntariamente, começo a chorar de desespero. Não sei em que momento Alex retirou o fio do meu pescoço, mas em meio à minha agonia, Benjamin me puxa para fora do carro. Me esforço para ficar em pé, só que meu corpo vai automaticamente de encontro ao chão da estrada. A luminosidade é escassa e há muito mato dos dois lados.
Alex amarra minhas mãos, impedindo que eu faço algo para me defender. Sinceramente, no meu atual estado, mesmo que eu quisesse, não chegaria ao outro lado da pista. Ao longe, quase imperceptivelmente, ainda consigo vislumbrar a entrada de Lie Place. Olha para o céu, tentando me manter lúcido. A Lua esbanja toda sua beleza em tons amarelados e, de repente, aceito que é o meu fim. Em geral, não me entrego facilmente às adversidades, mas a dor percorre todo o meu ser e o sangue não para de sair de mim.
— Sinto muito, Lyno, mas você sempre foi o meu peão favorito. — Ainda estou lúcido o suficiente para distinguir a voz do Benjamin. A figura dele se torna um borrão na minha frente gradativamente. — Nunca fui verdadeiramente apaixonado por você. Para minha surpresa, o tempo que Alex e eu passamos juntos no campus universitário me fez perceber que é dele que eu gosto. — Quero gritar enlouquecidamente ao ouvi-lo, só que não consigo. Minha voz está perdida.
— Como se sente agora, Lyno? Em todos esses anos, aprendi muito mais com você do que percebeu. — Alex toma o controle da situação e se agacha ao meu lado. Pela nossa proximidade, consigo ver seu rosto. — Há um mês Benjamin me procurou e fiquei extremamente feliz e surpreso por ele estar vivo. De lá para cá, começamos a traçar nosso próprio plano, que incluía acabar com você. Hoje te dei uma última chance de redenção, mas me lembrou como foi malvado comigo desde que nasci. Tudo que está acontecendo agora é culpa sua.
Continuar com meus olhos abertos é difícil, mas a raiva que me preenche nesta situação é a âncora que me sustenta neste mundo. Benjamin me traiu durante todo esse tempo e me tornou o principal bode expiatório do plano que traçou com meu irmão mais novo. Como não pude ver isso acontecer diante de mim? Quase que literalmente sinto meu cérebro quebrar com tantas informações. A dor que passeia por todo o meu corpo não ajuda em nada neste momento.
— Seus pais sempre estiveram certos, Lyno: você é uma bomba-relógio sempre acionada e, quando explode, todo mundo se machuca, exceto você mesmo. Na minha nova vida, longe de tudo isso, seria impensável tê-lo comigo. — As palavras do Benjamin são como navalhas me cortando em partes que nem achei ser possível.
— A sutileza é a maior arma contra alguém. — Alex diz suavemente. Passeio a língua pelos meus lábios quando minha boca seca completamente. — Durante todo esse tempo você foi uma granada com um potencial de destruição sem precedentes. O único problema é que todo mundo aprendeu mais sobre você do que poderia imaginar. Fingi estar amedrontado por você e seguir suas regras, mas, na verdade, eu o aterrorizei. As mensagens que recebeu, os animais mortos no armário, a foto com o Ethan... Tudo isso foi eu.
Pode ser apenas uma ilusão, devido minha pouca sensibilidade a essa altura, mas sinto sua mão tocar meu rosto. O toque é quente, como uma pequena brasa, mas todo o restante do meu corpo é como uma geada. Meu interior, repentinamente, parece ser formado por uma grande era do gelo. Toda dor inexiste, mas forço meu cérebro a continuar alerta. Esse não pode ser o meu fim. Alex e Benjamin não podem estar juntos. Me recuso a aceitar que fui enganado pelo meu irmão mais novo.
— Fiz tudo isso para desestabilizá-lo e, assim, cometer erros que nem percebeu, Lyno. — Uma respiração quente colide com meu rosto. Talvez Alex esteja próximo demais de mim, mas meus olhos estão fechados para me certificar disso. — No dia baile, eu mandei uma mensagem anônima para o nosso pai e Jeremiah falando que você revelaria o segredo deles durante a festa. Como previsto, quando soube que os dois estavam no ginásio, você foi atrás deles. Infelizmente, Ethan foi um efeito colateral e me senti realmente muito mal por ele. Só para constar, você era meu principal alvo naquela noite. O tiro era seu, não dele. Porém, mais uma vez, colocou seus amigos em risco para saciar seus caprichos.
Ele está certo: tudo que fiz pelos meus amigos para ajudá-los, no fim do dia, era mais por mim. Isso me fazia tê-los na palma da mão. Suas vontades eram as minhas e, mesmo a Hazel, que sempre me desafiou, cedia aos meus desejos. Sem mim, provavelmente eles nunca seriam amigos. Torná-los alguém importante na escola, e protegê-los em seus lares, os deixou com uma dívida eterna comigo. Honestamente, não queria que fossem machucados por outras pessoas, mas já que é o meu fim, posso dizer a mim mesmo: absolutamente tudo foi em meu benefício. Consciente disso, olhando o todo, morrer assim é quase uma profecia religiosa. Uma esplêndida atuação do carma.
— Me diverti muito com você. Foi o maior jogador com quem já estive, Lyno. Deveria se orgulhar disso enquanto estiver no inferno. Com sua maldade e impulsividade, talvez consiga ser coroado o rei daquele lugar. Não me surpreenderia. — Ouço bem distante a voz do Benjamin. — Como não sou uma pessoa tão ruim, convenci Alex que seria poético você morrer apenas alguns metros da entrada de Lie Place.
— Após anos desejando sair daquele lugar, você consegue, mas morre antes de viver seu sonho. Nada poderia ser mais satisfatório. — Enquanto Alex fala, sinto meu corpo ser levantado bruscamente do chão. Abro os olhos e vejo o rosto deles dois próximos a mim. — Descanse em paz, Lyno.
É tudo que ouço sair da boca do meu irmão quando meu corpo é arremessado para dentro dos matos que ficam ao lado do acostamento. Minha pele arde em vários pontos enquanto rolo em direção ao desconhecido. Algo sólido atinge minha cabeça, fazendo meu corpo parar, e o estalo que reverbera dentro da minha mente por conta do impacto é o último som que chega a mim antes do meu corpo apagar completamente.
Fim.
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Espero que tenham gostado de acompanhar esta história.
Às vezes, alguns finais dizem mais do que vemos.
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O Renitente - O Preço da Mentira
Misterio / SuspensoUm adolescente obstinado e temido reúne segredos de familiares, amigos e inimigos para chantageá-los. O preço da mentira pode levá-lo à ruína. Lie Place é uma pequena cidade com grandes segredos e mentiras de arrancar o fôlego. Lyno Campbell tem a f...