Capítulo 04

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O temporal já está menos intenso quando avisto minha casa a poucos metros. Meus pés doem um pouco por conta do caminho que ainda tive que percorrer — e por estar andando descalço —, mas nada que não possa ser resolvido com um longo banho quente. É exatamente o que preciso após este dia totalmente desncessário. Ir àquele velório foi patético e, aparentemente, só eu penso dessa forma.

Ando em silêncio no corredor do andar de cima e começo a ouvir um choro baixinho vir do quarto do meu irmão. Aos poucos, abro a porta e o vejo deitado na cama, fitando o teto enquanto as lágrimas descem por suas bochechas e molham o lençol. Facilmente poderia deixá-lo sozinho com sua dor — já que ele e Benjamin eram amigos muito íntimos —, mas depois do que aconteceu em frente à igreja preciso relembrá-lo de como as coisas funcionam entre nós dois.

Deixo meu paletó e camisa social jogados no chão do lado de fora. O ar gélido do seu quarto entra em contato com o meu peitoral desnudo, mas não direciono minha atenção a essa sensação um tanto desconfortante. Alex me vê quase imediatamente e senta-se na cama, pronto para travar mais um de nossos conflitos rotineiros. Seus olhos descem por meu corpo e logo sacode a cabeça em negação, desaprovando-me por estar desarrumado.

Adentro cautelosamente, observando seu quarto com atenção, mesmo já tendo estado dentro dele infinitas vezes. As persianas marrons, que combinam com o tom azul claro das paredes, estão fechadas, impedindo que a luz da Lua — que está começando a surgir no céu após a tempestade — entre. Seu guarda- roupa, de tonalidade creme, fica próximo à entrada do banheiro que, por sua vez, fica perto da cômoda preta. Um espelho em formato oval fica pendurado na parede um pouco acima da cômoda. Tem algumas fotos de cantores que ele gosta coladas à parede, mas que não sei quem são e nunca tive curiosidade de perguntar. Há, ainda, muitos desenhos que ele mesmo faz e que, devo confessar, são muito bonitos.

— Por favor, diga logo o que precisa de uma vez e me deixe em paz. — O tom grave da sua voz sonda o quarto devagar. Não há expressividade alguma em suas palavras.

Alex tem dezesseis anos e, observando seu corpo sentado na cama — apoiado apenas pelos cotovelos — percebo que meu irmão mais novo, comparado com os meninos da sua idade, já se desenvolveu bastante fisica e emocionalmente. Principalmente o seu corpo. Sem dúvidas, as idas diárias à academia intensificaram esse processo.

— Não acho que precise relembrá-lo do que sou capaz de fazer. — Pontuo quando relembro o motivo de estar aqui. Dirijo- me à sua cômoda e começo a mexer em alguns dos seus cremes para cabelo, rosto e mãos. — Seu objetivo era testar minha piedade hoje cedo na igreja? — Viro abruptamente, ainda segurando seu creme para o rosto. Estamos há pouquíssimos metros de distância, já que a cama é próxima ao móvel em que coloca seus produtos.

— Lyno, não precisa me relembrar de absolutamente nada. — Afirma com sinceridade e fita o produto na minha mão, pedindo que o coloque no lugar. — Me desculpe! — Pede arrumando a almofada atrás de si, para poder se sentar melhor.

— Você me fez de idiota na frente do nosso pai. — Relembro-o enquanto me sento.

— Tente entender o meu lado, Lyno. Acabei de perder um grande amigo. Como queria que eu me comportasse ao ouvi-lo dizer tudo aquilo sobre o Ben?

— Honestamente, eu não tenho ideia. — Trinco os dentes ao pronunciar as palavras. — Mas com certeza me atacar não foi a melhor maneira de superar isso.

— Não vai acontecer de novo.

— Não, não vai! — Interrompo-o rapidamente e levanto com destreza, pisando a passos duros e precisos em direção à saída. — Porque se acontecer eu serei obrigado a descartá-lo do jogo, definitivamente. — Seguro a porta entreaberta, aguardando por algum comentário seu, só que não o faz. — Seu segredo está muito bem guardado comigo, mas posso usá-lo contra você a qualquer momento se assim eu desejar. — Complemento quando simplesmente me encara.

O Renitente - O Preço da MentiraOnde histórias criam vida. Descubra agora