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— Irmãs e irmãos, hoje nos reunimos devido a um acontecimento muito triste e difícil para todos nós, mas, em especial, para a família Wilkinson. Há três meses esta família teve seu filho sequestrado e, infelizmente, as investigações apontaram para a morte do nosso adorável e eterno Benjamim Wilkinson. — O pastor Joe Allgood diz com a voz singela e todos assentem com o olhar triste e perdido. — Que nosso Pai Celestial nos ilumine neste momento e traga o conforto que precisamos.
A luz que passa pelo teto de vidro ilumina a primeira fileira, onde está a família Wilkinson: o senhor Henry e a senhora Caitlin. Logo atrás, está o prefeito Jeremiah Steinfeld e sua esposa Sheila; o xerife da cidade, Aiden Shelton, e a diretora do colégio: a senhorita Eleanor Watson. Todos se mobilizaram, inclusive as entidades superiores da nossa pacata cidade. No primeiro banco, do lado direito, está minha família: a Campbell. Somos a terceira mais rica, ficando atrás apenas do prefeito Steinfeld e da família Cooper.
Perco-me em pensamentos e não vejo quando o pastor encerra seu sermão sobre a vida, a morte e a importância de não perdemos a fé em tempos difíceis. Fé? Quem precisa de fé? É algo abstrato e inútil. Não precisamos dela se tivermos disposição para conseguir tudo o que queremos sem medir esforços. Tudo na vida é uma questão de escolha. É você quem decide se quer ser a pessoa que chora todas as noites por ser um inútil ou se será o causador do choro daqueles que não têm uma meta a seguir na vida. A equação é simples e o resultado sempre será o melhor para si mesmo se souber jogar.
Agradeço em pensamentos quando o coral retoma a cantoria insuportável porque significa que estamos livres deste sofrimento. Mais uma vez, as pessoas começam a dar seus pêsames à família Wilkison que, agora, está próxima ao caixão fechado. Não há corpo algum dentro, então por que usar um caixão vazio? Sacudo a cabeça e afasto os pensamentos quando Jonathan empurra-me de leve para que eu comece a andar na direção do casal.
— Senhor Henry, senhora Caitlin, sentimos muito mesmo pela perda de vocês. — Meu pai começa. — Espero que Deus possa reconfortar seus corações e mostrar que na cidade há pessoas que sempre estarão ao lado de vocês.
— Obrigado, senhor Campbell. — Henry responde com educação. — Somos gratos a todos vocês que estão aqui hoje. Significa muito contar com o apoio da cidade.
— Apesar de tudo, nossa cidade preza pela união. — Meu pai irá começar seu discurso sobre como nossa cidade ficará inabalável se permanecer unida em todas as dificuldades, mas minha mãe, Elisabeth, o interrompe com maestria e elegância, pois não quer estender mais sua estadia nesta igreja rodeada de morte e tristeza.
— Não podemos imaginar como é perder um filho, mas se precisarem de qualquer coisa, podem contar conosco. Estaremos de portas abertas para vocês. — Meus ouvidos são preenchidos pelo som da sua voz que é, ao mesmo tempo, doce, firme e destemida. Carregada de uma convicção que é capaz de levar qualquer pessoa a acreditar plenamente que o mundo irá acabar amanhã, se assim ela desejar.
— É muita bondade da parte de vocês. — Caitlin segura o braço do seu marido ao falar com minha mãe, como se precisasse de apoio para enfrentá-la. — Mas, no momento, tudo que precisamos é de um pouco de isolamento até sabermos como lidar com essa falta em nossas vidas. — Complementa com certa dificuldade na voz e com os olhos prestes a transbordarem mais uma vez.
— Compreendo. — Elisabeth concorda com sutileza e olha para meu pai. — Precisamos ir agora. Acredito que a família Wilkinson deva estar cansada de toda atenção que está recebendo. — Eles concordam com a cabeça e meu pai segue minha mãe sem dizer mais nada.
O primeiro passo que dou é quase inaudível em meio a tantas vozes sussurradas que rondam o ambiente, mas o segundo é interrompido pela mão da senhora Caitlin. Ela segura meu braço esquerdo, forçando-me a parar abruptamente.
— Como ousou vir até aqui? — Posso sentir a tristeza e dor em seu peito transpassarem suas palavras. Seus olhos brilham e seus dentes trincados apertam- se à medida que pressiona meu braço, causando-me um desconforto que logo vai se transformando em dor aguda. — Você não é bem-vindo.
— Senhora Wilkinson, acredite quando digo que também não queria estar aqui. Qualquer lugar seria melhor do que esse velório estúpido. — Olho para sua mão em meu braço, mas ela não a retira. — Solte meu braço. — Ordeno com audácia, mas não surte efeito. Seus olhos estão vagos e perdidos quando encara-me com ódio.
— Querida, solte-o. As pessoas estão começando a olhar na nossa direção. — Henry pede. Segundos depois, começo a sentir a palma da mão de sua esposa deixar meu braço aos poucos. — Acho melhor você ir. — Sua sugestão soa como uma súplica aos meus ouvidos.
— Você partir não muda nada, Lyno. A culpa continuará sendo sua. Para sempre. — Caitlin diz numa altura que apenas nós três podemos ouvir.
— Sério? — Utilizo meu tom mais desdenhoso. — Não me importo com a culpa. — Declaro com extrema convicção. — Sempre faço tudo para me proteger. Quando você aprender isso, vai se desprender de todo esse teatro. — Faço um gesto amplo com as mãos, me referindo à sua família e dor desnecessárias.
Não espero uma resposta ou comentário, apenas me retiro triunfantemente e energizado por tê-la deixada atônita.
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O Renitente - O Preço da Mentira
Misterio / SuspensoUm adolescente obstinado e temido reúne segredos de familiares, amigos e inimigos para chantageá-los. O preço da mentira pode levá-lo à ruína. Lie Place é uma pequena cidade com grandes segredos e mentiras de arrancar o fôlego. Lyno Campbell tem a f...