6️⃣3️⃣ o céu cinzento.

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Pov'Giacomo.

Eu achei que estava pronto para estar ali! Mas me enganei, fotos, vídeos, reportagens nada disso transmitia a realidade, a situação era um milhão de vezes mais difícil, a equipe que chegou foi levada para um galpão onde já havia muita gente trabalhando, havia várias pilhas de alimentos, me senti um merda por muitas vezes reclamar do que tinha, achar que todo o problema existente era minha falta de juízo.

- Levi! - ouço a voz masculina.

- Luka - os dois se abraçaram - Giacomo esse e o meu irmão, mano esse é meu amigo, veio dar uma força.

- bem vindo a equipe, tem um quarto pra vocês, não é muita coisa, mas vão ficar de boa... Trabalho aqui não falta!

- valeu! Tem problema registrar o que acontece por aqui?

- não! Pode ficar tranquilo...

- obrigado! Vou guardar minhas coisas então e ajudar.

📜📨

Era Natal! Acho que em 20 anos, ou não sei 10 anos, desde a morte dos meus pais, nunca me senti tão grato por viver aquilo, nunca me vi dentro de um escritório de terno e gravata, mandando e desmandando como meu pai ou Eric, eu sempre fui como diz Eli "o garoto dos livros" é entre as páginas que me sinto vivo, e entre aquelas pessoas eu percebi que quero mais que ser só um cara que escreve poemas.

Estou segurando o caderno que dei para Ellen escrever seus pensamentos e desejos, ela nunca obteve de volta, agora nas páginas vazias estava escrevendo sobre o que estava vendo ali, como se ela pudesse ler! Eram pensamentos meus em relação ao que vivemos e o que estava vivendo agora, e no outro coisas além do que havia dentro de mim, história que ouvi, ou coisas que vi, comecei a registrar tudo o que podia! Me sentia finalmente fazendo algo bom para alguém além de mim!

Ligação de vídeo on.

- eu também tô com saudades pai.

- é Natal, acho que nunca esteve longe nessa data - Eric murmurou.

- verdade! Mas tô fazendo uma coisa boa.

- eu sei! Tô orgulhoso...

- Gio! - Chyler apareceu na chamada.

- oi madrasta!

- nem vem! Como está?

- ótimo, passamos o dia todo entregando comida e presentes para as crianças... Paramos a pouco tempo, amanhã tem mais... Tô aproveitando o tempo livre para escrever... E olha eu fiz a barba - brinquei.

- sobre o que?... Muito bem! Mas ainda tá grande - Chyler fez careta.

- tudo o que estou vivendo. - respondi.

- quero saber tudo depois.

....

Ligação de vídeo off.

📜📨

Você tem uma visão do mundo! Simplesmente se fecha em sua bolha, boa ou não, preferirmos ficar ali trancados e não ver que além dos nossos muros existe algo ainda pior, não temos a visão de "tudo", nos mantemos em nossa zona de conforto; por que se eu tenho meus problemas, minhas questões e dificuldade irei sair dela e me preocupar com o mundo? Não dá, por que o que temos já é uma guerra interna com nós mesmos.

Porém o mundo do lado de fora do muro tá literalmente em guerra "mas prefiro desligar minha tv e não ver", por que cara tá tudo muito ruim, mas só uma vez, por um segundo se sairmos do nosso mundo imperfeito vamos ver que tem pessoas que são felizes mesmo no meio da guerra, não é "em meio a guerra", é literalmente "no meio da guerra".

Mas a pergunta é: que merda eu tô fazendo aqui?

Não sei! Mas não me arrependo! Por que em cinco dias eu vi centenas de crianças chorar de tanta alegria ao ganhar um presente, homens, mulheres, do mais novo ao mais velho sorrir por ganhar um prato de comida, no primeiro dia quando entreguei aquele alimento eu senti uma coisa se quebrar dentro de mim, passei a noite sem dormir chorando por que eu sou tão privilegiado, tenho uma vida boa pra caramba.

Eu sei o que quebrou dentro de mim! Foram as barreiras, os muros, aquela bolha que me separava da realidade, tudo estraçalhou, não dava só pra voltar pra casa e fingir que fora dos meus muros não tem nada acontecendo, não dava só pra voltar.

- o que você tanto escreve? - Levi sentou ao meu lado no chão, estava sentado no lado de fora do alojamento olhando as estrelas e escrevendo com uma lanterna que segurava com a boca, soltei ela e olhei meu amigo.

- sobre o que estou vendo aqui!

- é foda demais - ele falou.

- muito! Da uma coisa - murmurei soado confuso.

- é o segundo ano que venho, e não me acostumo...

- não da, não tem um jeito de ver tanta pobreza e dor e achar normal.

- não! - ele concordou - deveria dormir, amanhã tem mais.

- já vou! Só terminar isso.

- beleza - ele levantou.

Ajeitei minha laterna e voltei a escrever:

"Inesquecível Eli...

Sabe Eli! Eu acho que você ia gostar de estar aqui! Provavelmente choraria sem parar, mas tem tanta bondade dentro de ti.

Sinto tua falta todos os dias, mas tenho você e meus pais bem perto do meu coração, você provavelmente tá mais feliz do que eu, mas eu tô aprendendo muito aqui! Acho que tô me amando um pouco mais agora também, percebi que meu maior problema era não me amar o suficiente, toda a merda da perda, as marcas que carrego, interna e externamente, eu já não me importo com elas.

Mesmo assim sinto falta de te ouvir, de ouvir sua risada, quando tá muito difícil eu olho nossas fotos juntos, tem os vídeos da nossa viajem para acampar, e tantos momentos, agora tá difícil seguir em frente, na verdade agora eu não penso em ter alguém, acho que ninguém merece um alguém como eu que está incompleto.

Não que vá deixar de viver! Só que agora não é isso que eu quero, agora estou em uma jornada de alto conhecimento, enquanto faço isso estou ajudando mais pessoas, essa tem sido a melhor parte o sorriso deles.

Passo a maior parte do meu dia tão ocupado que mal tenho tempo de pensar em tudo o que passou, mas no final do dia quando todos dormem fico olhando as estrelas, aqui elas parecem muito mais brilhantes, me fazem pensar em você e nós seus olhos.

Aqui tudo realmente tem mais intensidade, mas durante o dia o céu e cinzento, parece que a dor se instaurou nele, essa é minha percepção, prefiro pensar que é esse o motivo e ignorar o real, por que se pensar muito nisso sinto medo de nunca mais voltar pra casa e te ver".

Peguei a foto que havia tirado e coloquei no envelope junto com a carta que nunca seria enviada. Ellen estava feliz! E se dependesse de mim continuaria assim.

Pensei em ligar para ela e desejar feliz Natal, mas eu não merecia isso.

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