Capítulo 1

2.6K 218 3
                                    




No fim, Lucy não entrou no navio com Mary. A verdade é que a primeira já sentia falta da sua terra natal, a chuvosa Inglaterra, e a ideia de ir para ainda mais longe não lhe parecia nem um pouco atraente. No entanto, uma vez que Lady Dudley havia gostado, e muito, dos seus serviços nos dois últimos anos, essa lhe ofereceu um emprego como governanta em sua casa em Londres – não que ela realmente precisasse de uma, raramente ia a lá, mas saber que Lucy estaria bem e empregada foi um motivo bom o suficiente para que a proposta fosse feita. Os dias abordo do navio se tornaram tediosos rapidamente e Mary estava mais do que feliz quando desembarcou em solo americano. Ver sua amiga, após tantos meses, também contribuiu para aumentar a euforia da chegada.

Os cabelos loiros de Grace estavam mais curtos do que ela se lembrava e a mulher parecia ter ganhado algumas finas linhas no belo rosto. As duas ficaram grudadas desde o instante em que se encontraram, mas foi apenas dois dias mais tarde, quando desceram para tomar o café da manhã no hotel em Lady Dudley estava hospedada – e, agora, também a Burguess, depois de muita insistência daquela – que Grace contou o que tanto lhe afligia:

- Eu atirei em Campbell.

Mary quase cuspiu o café que estava em sua boca de volta na xícara.

- Campbell?! Inspetor Campbell?! – Grace assentiu – Você o... – A aristocrata abaixou o tom de voz – Você o matou?

- Não, não! Foi um tiro na perna.

- Ah... – Deu de ombros – Menos mal. Mas o homem não é como um pai para você ou algo do tipo?

- Bem, é uma longa história... – Mary lhe deu uma daquelas encaradas que faria qualquer outra pessoa se intimidar e a loira revirou os olhos em resposta – Ele me pediu em casamento.

- Oh, bem, eu sempre o achei um chato, mas daí você atirar dele porque ele te pediu em casamento...

- Não, não foi isso. – Grace suspirou.

- Então que raios foi?! Por que você não explica tudo de uma vez? – A morena inclinou a cabeça, impaciente.

Grace olhou ao redor como se certificasse que ninguém mais estava ouvindo e se inclinou para amiga.

- Eu tinha um trabalho certo? Me infiltrar em uma... bem, me infiltrar em uma gangue.

- Nossa, eu esqueço como sua vida é bem mais interessante que a minha. – Mary comentou pegando um dos pequenos croissants do prato.

- Vai me deixar contar?! – Grace perguntou entre dentes, recebendo um pequeno balançar de cabeça como resposta – Enfim, era o que eu tinha que fazer. Até que... Bem, eu conheci Tommy. – Mary ergueu as sobrancelhas, mas não fez nenhum comentário dessa vez – Ele... Ele não era o que eu esperava. E... Eu me apaixonei. E no fim, houve uma grande confusão. Campbell descobriu, não antes de me pedir em casamento, e tudo foi por água abaixo. Então... eu fugi.

O silêncio tomou conta da mesa enquanto Lady Dudley absorvia as coisas que a amiga tinha dito.

- Você se apaixonou por um membro de uma gangue? – Soltou por fim.

- Não é tão ruim quanto você está pensando. – Grace retrucou.

- Querida, a policial aqui é você. Se diz que isso é ok...

A loira apertou os lábios:

- Não é ok. Ele... Tommy é inteligente. Ele poderia sair dessa vida. É só que...

- Ele resolveu não sair. – Mary concluiu.

- Deixei uma carta para ele. – Suspirou – Achei que ele viria comigo.

- Homens. Não se pode esperar muito deles. – A Lady deu de ombros – Mas então... Valeu a pena?

- O que?

- Atirar em Campbell. Fugir para América. Por Tommy.

Mary desviou os olhos verdes antes de se voltar para a amiga.

- Não sei. Acho que sim. Quer dizer... – O rubor tomou conta de suas bochechas e o choque passou pelo rosto de Mary quando ela entendeu o que aquilo significava.

- Você dormiu com ele! – Constatou.

- Eu atirei em uma pessoa por causa dele! O mínimo que se espera é que tenha acontecido algo a mais do que alguns beijos, não é mesmo? – Grace disse com raiva.

- Nossa. Eu... Nossa.

- De tudo que eu disse, o que mais te choca é que eu dormi com alguém? – A Burguess perguntou incrédula.

- Bem... É, você tem razão. Todas as outras coisas foram bem inesperadas também. É só que... – Mary torceu os lábios – Achei que fossemos fazer essa coisa de casar virgens juntas.

- Achei que você nunca fosse se casar. – Grace cruzou os braços.

- Bem, provavelmente não. Você sabe, é bem difícil achar alguém que não esteja interessado no dinheiro...

- Então, qual o objetivo de se guardar para nada? – A loira revirou os olhos.

- É só que... – Lady Dudley rodou a xícara no prato – E se eu me apaixonar?

O semblante de Grace se suavizou diante da fala da amiga:

- Não pode fugir disso a vida inteira, você sabe disso, não é?

- Eu posso tentar...

- Mary...

- Não, Grace. Eu não quero me apaixonar e acabar em um casamento horrível, depois que meu marido tiver posto as mãos no meu dinheiro.

- É tão ruim assim ser uma lady herdeira? – Burguess tentou fazer graça.

- Você sabe que o título não é de verdade... Só uma concessão real...

- Pelos serviços prestados pelo seu tio. Sei, sei. Mas é tão ruim assim? – Insistiu.

- Bem, não quando estou viajando por aí, fazendo o que eu quero. – Mary soltou uma risada fraca – Ou fazendo compras...

As duas riram juntas.

- Podemos fazer compras depois que terminarmos aqui. – Grace disse e a outra assentiu em resposta.

Mais tarde, quando as duas já tinham passado mais da metade do dia entrando e saindo das lojas de Manhattan e Lady Dudley já carregava tantas sacolas que seus braços doíam, Burguess abraçou a cintura da amiga:

- Sabe, eu estou feliz que você tenha vindo.

- Ah, eu não poderia deixar de vir. Você é minha única família, Grace.

***

 

Mary e Grace viveram juntas em Nova York por quase um ano, até que a ex-policial conheceu e se casou com Clive Macmillan. Honestamente, Lady Dudley não gostava muito da escolha da amiga – achava o bancário extremamente sem graça e até um pouco burro – mas não ousou dizer nada. Ela sabia que o tal Thomas Shelby havia mexido com Grace mais do que ela deixava transparecer e seguir em frente parecia uma boa coisa.

Então, quando a Burguess virou uma Macmillan, Mary aproveitou a oportunidade para voltar a fazer suas incursões pelo mundo, seguindo para o Egito e depois para a França. E novamente seria por causa de uma ligação inesperada de Grace que ela sairia da sua amada Paris para voltar para o lugar que durante muito tempo foi seu lar: Londres.

Grace e Mary - Thomas ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora