Capítulo 25

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Mary se inclinou sob o berço, observando o rosto delicado de Charlie enquanto o pequeno dormia. Ele estava tão relaxado, ignorante ao fato de que nunca mais iria ver a mãe. Apesar de perguntar por Grace à noite, os braços da madrinha pareciam suficientes para acalmá-lo, pelo menos por hora.

O ranger da porta chamou a atenção dela, a fazendo virar a tempo de ver Thomas adentrar no quarto. As olheiras profundas marcavam o rosto do Shelby e o azul de seus olhos, mais gélido do que o usual, percorreu as roupas pretas de Mary. Largas nos punhos, Thomas supôs que havia muito tempo desde a última vez que ela tinha as usado, somado ao fato de que a mulher quase não comia nos cinco dias anteriores. Apesar de estarem na mesma casa, eles quase não se viam. A Dudley zelava o sono de Charlie a noite, dormindo pela manhã quando Thomas chegava de suas divagações noturnas e acordando a tarde para brincar com o afilhado. Ambos estavam cientes da presença um do outro, mesmo que nunca se esbarrassem.

- Eu... – Mary pigarreou – Desculpe por ter ficado em Arrow House sem pedir.

Thomas andou até o berço e olhou para o filho.

- Eu que deveria agradecê-la por ficar.

A mulher assentiu, se afastando em direção a porta para dar privacidade a ele.

- Mary. – O Shelby a chamou antes que ela saísse do quarto – Vou viajar com Charlie por alguns dias. Devemos voltar na semana que vem.

Mary engoliu o incomodo de não ter o afilhado por perto e assentiu antes de sair e fechar a porta atrás de si.

***

- Lady Dudley, o senhor Michael Gray está aqui para vê-la. – Lucy disse.

- Mande-o entrar.

Mary colocou o caderno de contabilidade que analisava em cima da mesa em sua frente e se reclinou na cadeira. Ela fitava uma das enormes estantes da biblioteca de sua casa quando Michael entrou, observando como a mulher que ele costumava sair parecia tão diferente e ainda tão igual desde a morte de Grace.

- Mary.

Falou, indeciso se deveria sentar-se em uma das cadeiras na frente da grande escrivaninha de mogno – aquilo daria um ar de negócios a situação e isso era a última coisa que ele queria.

- Michael.

Quando os olhos dela caíram sobre ele, mesmo que não contivessem mais o calor em que o Gray havia se habituado, Michael sentiu o costumeiro arrepio em sua nuca.

- Nós precisamos conversar.

- Sim. – A mulher balançou a cabeça e ele não gostou como sua voz soou.

- Eu sinto muito por não responder suas dúvidas. – Começou por onde achava que seria mais seguro.

- Eu também.

Apesar de suas palavras, não havia decepção na voz da Dudley – elas eram vazias, desprovidas de qualquer sentimento. Então Michael soube.

- Estamos acabados, não estamos?

- Sim, Michael, nós estamos.

Demorou um piscar de olhos para ele decidir que não valia a pena pedir uma segunda chance – ela nunca o daria. Michael trincou os dentes para evitar que seu rosto demonstrasse a emoção que ele sentia sob sua pele e balançou a cabeça. Quando ele saiu, a deixando sozinha novamente, Mary voltou-se para o caderno de contabilidade e foi como se a relação deles nunca houvesse existido.

***

Três dias depois, foi a vez de Thomas ser anunciado por Lucy. Dessa vez, Mary tomava chá sozinha em uma das salas do térreo.

- Aceita chá? – Ela perguntou, já servindo mais uma xícara, enquanto ele se sentava no sofá.

Thomas assentiu e sorveu um gole da bebida antes de falar:

- Gostaria que voltasse a Arrow House. Charlie sente sua falta.

- Suponho que tudo deu certo em sua viagem. – Mary desviou do assunto.

- Sim. – Ele pigarreou e tirou a cigarreira do bolso interno do paletó – Então, vai voltar?

- Você sabe que eu vou. – Ela apertou os lábios.

- Mas...?

- Por que atiraram em Grace? – A Dudley disparou.

Thomas tragou o cigarro, nem um pouco surpreso com a pergunta.

- Não atiraram em Grace. Atiraram em mim. Ela estava na frente.

Se ela não já tivesse convivido o suficiente com ele, poderia não ter percebido como a voz dele tremeu na última frase.

- Por quê? Quem é Angel?

Quando o Shelby resolveu fazer aquela visita, ele sabia que tal assunto viria à tona – Mary teria questionamentos e, sendo uma das pessoas que mais amava Grace, ele havia decidido que responderia cada uma delas. O que foi inesperado, no entanto, foi a ausência de emoção na mulher. Thomas esperava gritos, raiva e lágrimas, mas Mary parecia uma estátua.

- Angel Changretta. Birmingham é divida em gangues, Lady Dudley. Eu suponho que Grace tenha comentado disso com você. Nós, a família Shelby, comandamos os Peaky Blinders e essa é a nossa cidade. Mas existem gangues menores, como os italianos, comandados pela família Changretta. Angel Changretta era filho de Vincente Changretta, chefe dos italianos. – Thomas tragou o cigarro mais uma vez e pigarreou antes de recomeçar – Angel começou a namorar minha secretária Lizzie, que você conhece. Ela queria levá-lo no meu casamento com Grace, o que eu, obviamente, não permiti. John ateou fogo no restaurante dele para impedi-lo de ir a festa e os italianos não ficaram felizes. Houve um desentendimento e John o cortou.

- John o cortou? – Mary o interrompeu.

- Com as lâminas que usamos em nossas boinas, sim. Também acredito que Grace a tenha contado isso. – Ela assentiu – John o cegou.

Pela primeira vez o Shelby notou uma reação da mulher – ela engoliu em seco e apertou as mãos pousadas no colo. Mesmo assim, ele continuou, certo de que ela merecia saber tudo.

- Vincente não ficou feliz, então contratou o atirador que deu o disparo que matou Grace.

Era isso então. O porquê de Grace estar enterrada naquele cemitério. O porquê seu afilhado mal lembraria da voz da mãe. Mary achou que sentira paz. Ela deveria sentir raiva de Thomas, pelo menos. De Thomas e sua maldita gangue, culpados pelo sangue de sua melhor amiga em seu vestido. Mas nenhum dos dois sentimentos atingiu a superfície do mar de tristeza em que ela se encontrava afogada. Ela olhou para Thomas, com o cigarro entre os lábios, a encarrando como se não houvesse dito que era culpado pela morte de sua quase-irmã, e esperou. Esperou que algo a mais a atingisse, algo que a tirasse daquele torpor.

- Você se vingou. – Ela se pegou dizendo, sem saber em qual canto de sua mente embaçada aquela constatação tinha sido elaborada.

- Sim.

Thomas respondeu e relembrou da ordem que tinha dado a John e Arthur – Vicente e a esposa deveriam ser mortos. O Shelby esperou que a mulher dissesse mais alguma coisa, em vão. Ela continuou com os olhos em cima dele, as írises tão escuras que quase se confundiam com a pupila, como se pudesse ver mais do que ele gostaria.

- Mary...

- Volto para Arrow House essa noite.

Ela o interrompeu, levantando-se de súbito. Sem esperar que ele respondesse, a lady Dudley saiu da sala, deixando Thomas sozinho com sua perplexidade.

Grace e Mary - Thomas ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora