Capítulo 24

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Mary se sentia submersa. Apesar de olhar para frente e conseguir distinguir a figura do pastor no altar da igreja, ela não conseguia ouvir o que ele falava. Era como se seus ouvidos estivessem tampados com algodões. Ela também estava vagamente ciente de Michael sentado a sua direita, com Polly do seu outro lado, e de Esme a sua esquerda. O primeiro banco para os mais próximos. Ela estreitou os olhos, vendo a boca do homem com a bíblia na mão se mexer, mas ainda sim não era suficiente para que ela compreendesse. Seu olhar então caiu para suas mãos em seu colo, cobertas pelo tecido de renda branca das luvas curtas e delicadas. Ela não podia usá-las. Ela odiava aquelas luvas, por que tinha as colocado? Ela puxou o tecido dos dedos e as tirou. Agora suas mãos podiam respirar. Elas eram pequenas, as unhas... Mary encarou o ponto em que a unha afundava na carne. Aquele ponto específico em seu dedo anelar. Vermelho. Sangue. Ela piscou, os flashes invadindo sua mente: o grito de Thomas. Grace no chão. O vermelho manchando o vestido branco, pingando no mármore. Suas mãos desesperadas tentando fazer alguma coisa, ficando molhadas com aquele vermelho também. Mary piscou novamente, dissipando as imagens. Ela levantou a cabeça. O padre se afastava do púlpito. Seus passos pareciam lentos demais. Ela esperou pelo próximo ato, se recusando a olhar mais para a direita, onde ela estaria deitada. Um toque em seu ombro a assustou e ela desviou o olhar para encontrar com os olhos verdes de Michael. O que...? Mary olhou para o púlpito novamente. Alguém tinha que falar. Ela procurou por Thomas, sentado depois de Polly e Arthur, entre seus irmãos, com Charlie em seus braços. Como se também a buscasse, seus olhos caíram sob ela. Então Mary se levantou. Mas ela deixou que sua atenção se desviasse para a madeira escura do caixão no centro do altar, o caixão que continha o corpo de Grace. A bile se revirou em seu estômago. O que ela ia falar? Como ela poderia...? Ela se virou, atravessando o corredor da nave da igreja, a mesma igreja em que ela havia visto Grace entrar em seu casamento, e saiu para fora.

O vento bateu em seu rosto quando ela passou pelas grandes portas de madeira, a umidade inglesa abraçando sua pele. Ainda não estava chovendo, o que provavelmente só aconteceria mais tarde, e o céu tinha escurecido o suficiente para que parecesse noite, apesar de não passar das três horas da tarde. Não havia nem vinte quatro horas que... o pensamento a fez contornar o muro da capela que ficava na propriedade de Arrow House e ela apoiou a mão na parede fria enquanto vomitava.

- Aqui. – Mary ouviu Esme dizer, estendendo um lenço em sua direção.

Limpando a boca com as mãos trêmulas, ela se virou para a esposa de John. Era irônico que a última pessoa a gostar dela naquela família foi aquela que tinha cuidado dela nas últimas horas. Depois que tinham conseguido afastar Mary do corpo da amiga, Michael e a ex-Lee haviam a subido levado para Arrow House e a colocado em seu quarto, ficando a mulher responsável por a banhá-la e colocá-la para dormir. A Dudley não sabia se isso tinha sido ordem de Thomas, ou mesmo se Thomas estava em condições para ordenar alguma coisa, mas ela era grata.

- Obrigada. – Murmurou.

Elas ficaram em silêncio até que Mary se recuperasse e voltaram para dentro. Todos já haviam se levantado, os homens Shelbys e Michael envolta do caixão, a esperando. Apesar de saber que a amiga merecia que alguém dissesse mais sobre ela naquele púlpito, a Dudley ficou grata novamente por não ter que fazer isso. Ela se aproximou de Polly, ainda perto de altar, que agora tinha Charlie no colo. Agitado, o afilhado estendeu os braços gordinhos para ela, e Mary o pegou, deixando que ele brincasse com seu colar. O cheiro do bebê a acalmou e quando a procissão seguiu, até o momento em que o caixão se abaixou sob a terra, foi nisso em que ela se concentrou.

Em algum momento perto do fim Thomas se colocou ao seu lado e Mary o entregou Charlie apesar dos protestos do afilhado.

- Fique com ele. – A voz do Shelby saiu mais rouca do que o usual.

- Você precisa dele. – Mary pigarreou, as horas que tinha ficado sem falar fazendo com que as palavras arranhassem sua garganta.

Thomas assentiu.

Aos poucos a multidão foi se dispersando e Mary continuou onde estava, fitando a terra remexida que agora cobria sua melhor amiga.

- Mary. – Michael a chamou, instantes depois que apenas os dois haviam restado.

- Por quê? – Ela perguntou.

O segundo de silêncio que se passou pareceu longo demais.

- Mary...

- Porque, Michael? – Os olhos escuros encararam os verdes – Quem é a porra de Angél?

O Gray trincou os dentes enquanto a Dudley revivia aquela frase. Por Angél.

- É uma longa história.

- Eu tenho tempo pra caralho. – Ela piscou, tentando afastar as lágrimas.

A agressividade inédita dela não assustou Michael, mas a estranheza de vê-la xingando ainda o atingiu.

- Eu acho que você devia perguntar isso ao Tommy.

Ele não queria jogar mais isso nas costas do primo. No entanto, não sabia até que ponto podia contar a verdade.

Mary riu sem humor.

- É claro que vou falar disso com o Thomas. – Ela apertou as mãos em punho – Mas achei que você poderia me contar.

- Mary, essa família não é como você pensa.

- Você acha que eu não sei?! – Mary gritou, finalmente explodindo – Grace está morta!

- Eu sinto muito por isso.

Ela não se importou que as palavras dele soassem verdadeiras.

- Porra, você sente muito?! – Uma risada estrangulada escapou dos seus lábios novamente – Você é um inocente do caralho se acha que eu não sei que porra são os Peaky Blinders! Eu quero saber quem no inferno é Angél!

- Mary... – O tom cauteloso dele ascendeu ainda mais a fúria dentro dela.

- Vá se foder Michael!

Ela passou por ele, indo para o carro, os saltos afundado na grama do cemitério.

Grace e Mary - Thomas ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora