Capítulo 22

1.4K 203 26
                                    

Ar. Thomas precisava de ar. Não o ar impregnado com o cheiro de madeira e cigarro do seu escritório ou o ar cheio de fumaça de Small Heart. Ele precisava do ar com cheiro da terra, dos cavalos e do esterco. As ideias vinham como uma avalanche em sua mente, todas elas tentando resolver os problemas que o atormentavam, mas as palavras surgiam e se esvaiam rápido demais para que ele as entendesse. E, então, mesmo que ele puxasse o ar para dentro de seus pulmões, não era o suficiente. Thomas ainda sentia como se não pudesse respirar, como se aquele ar não contivesse o oxigênio que ele tanto precisava. Seus dedos tremiam levemente quando ele abotoou o paletó, pegando sua pasta e enfiando nela os documentos mais importantes. Quando ele saiu de sua sala, passando por Lizzie, ninguém percebeu como sua máscara perfeita de autocontrole não conseguia esconder a turbulência em seus olhos azuis ou como ele lutava para respirar.

Os nós dos seus dedos apertavam o volante com força, brancos com a pressão, e o Shelby não se atreveu a tirar a mão dali, mesmo para puxar o cigarro que tanto o chamava em seu bolso. Foi só quando ele desceu do carro e a voz de Curly já chegava em seus ouvidos, o cheiro dos cavalos invadindo suas narinas, que ele procurou a cigarreira e levou aos lábios a nicotina, acendendo com um fósforo seu vício antes de entrar nos estábulos. Sim, era isso que ele precisava. Ele já podia pensar claramente agora, emergindo das águas em que ele se afogava. Thomas se perguntou se era isso que Deus havia reservado para ele, a vida com os cavalos, e se, ao forçar seu próprio caminho, ele jamais poderia ser um homem inteiro novamente.

- Tommy! Tommy! – Curly o chamou assim que o viu atravessar a entrada dos estábulos.

Thomas se limitou a balançar a cabeça em cumprimento, ocupado demais em absorver a paz que aquele lugar lhe trazia.

- Veio ver os cavalos, sim? – O cavalariço continuou – Os cavalos são bons, muito bons.

- Melhores que as pessoas, ein Curly? - O Shelby se aproximou de Montgomery e passou a mão em seu focinho – Como você está, ey? – Sussurrou.

- Melhores, bem melhores Tommy. – Curly concordou enquanto andava de um lado para o outro pelas baias.

- E como os nossos aqui estão indo? Se precisar de qualquer coisa, diga ao tio Charlie para me avisar, ey.

- Bom, bom. Os cavalos estão indo bem, sim, estão. Já pode montar o Ireland, pode sim.

Tommy franziu as sobrancelhas, mas continuou onde estava.

- Ireland? – Perguntou.

- O cavalo da princesa, sim. – O cavalariço respondeu animado – Ela veio aqui, Tommy. Trouxe uma cesta de doces para Curly, disse que eram só pra mim, sim. E pôs o nome no dela de Ireland. É um bom nome, Tommy.

Uma sombra de sorriso brincou nos lábios do Shelby. A princesa, como Curly chamava Lady Mary. Thomas podia ver claramente ela fazendo isso – trazendo uma cesta de doces para Curly, uma forma de tentar pagá-lo pelos seus serviços, uma vez que ele mesmo tinha garantido que ela não o precisava fazer. Ireland. Particularmente, ele não gostava do nome. Mas entendia o porquê. Irlanda, onde ela e Grace cresceram. Ele já havia se pegado imaginando mais de uma vez como elas deveriam ter sido naquela época, duas meninas correndo pelo colégio interno.

Thomas saiu da baia de Montgomery e fitou o garanhão malhado no fim dos estábulos.

- Ela já sabe que pode montá-lo? – Questionou.

- Não, não. Curly vai pedir pra avisar hoje, sim.

- Eu a aviso, Curly. – Ele jogou o resto do cigarro no chão, apagando-o com a sola do sapato em seguida.

- E você, ein, Tommy? Não vai dar nome para a marrom? É ruim um cavalo sem nome, muito ruim.

Os olhos do cigano passaram para a égua, que permanecia quieta em seu espaço. Ele caminhou até ela e passou os dedos pelo seu pescoço, apreciando seu pelo macio.

- Você quer um nome, ey? – Murmurou para ela e, como se respondesse, a égua mexeu as orelhas – Como vamos te chamar, uhn? – Seus dedos percorreram o torço do animal enquanto ele pensava. Porém, se fosse honesto consigo mesmo, Tommy confessaria que já tinha aquele nome em mente a muito tempo. – O que você acha de Lady, uhn? É um bom nome para você?

A égua se remexeu em seu lugar e ele assentiu satisfeito.

- Lady, Curly. – Falou alto, para que o cavalariço ouvisse – Vamos chamá-la de Lady.

***

- Deus, eu tinha esquecido como ela é linda. – Grace falou. Seu queixo estava encostado no ombro da amiga, os cabelos loiros se misturando com os castanhos avermelhados.

Mary, sentada em sua penteadeira, encarava a caixa com a tiara que Diana Lowell tinha usado em seu casamento.

- Você acha que eu deveria mesmo usá-la? – Ela perguntou, mordendo o lábio.

- Você pode usar a outra.

O olhar das duas amigas desviou em sincronia para a outra joia em cima da mesa. Diferente da primeira, incrustada em diamantes, essa tinha pedras maiores de esmeralda.

- É muito chamativa. – A morena reclamou – O que o titio estava pensando... – Murmurou.

- Bem, é digno de uma condessa.

Mary encolheu os ombros.

- Eu não sou uma condessa.

- Eu sei. – A Shelby revirou os olhos verdes – Mas é isso que o Conde de Northumberland, o seu querido tio, estava pensando quando comprou ela para você.

- Argh. Eu não posso ir sem nada na cabeça?

- O colar que Tommy comprou é bem grande. – Mary riu da feição horrorizada da amiga - Por favor, eu não quero ser a única usando um acessório tão chamativo.

- Tudo bem... – Ela balançou a cabeça – A Lowell.

- Ótimo! – Grace bateu palmas, puxando a amiga da cadeira em seguida – Vai ser perfeito!

- Você me enjoa com sua empolgação, sabia? – Mary brincou.

- Ah, Mary, eu estou tão feliz! Vamos ter uma coisa só nossa, que fizemos juntas, e ainda ajudar tantas crianças!

- Você tem razão. Me desculpe pelo meu desânimo, senhora Shelby. – A Dudley fez uma reverência pomposa – Eu sugiro que coloquemos música e tomemos champagne para comemorar.

Grace riu quando a amiga andou muito formalmente até a vitrola no canto do grande quarto e o jazz soou pelo ambiente. Em seguida, ela tirou uma garrafa de champagne de uma das gavetas do móvel ao lado.

- Bebida no quarto... – A loira começou.

- Porque nunca se sabe quando você precisará de uma dose de álcool. – As duas falaram juntas, gargalhando em seguida.

Mary abriu a garrafa com facilidade, dando um gole generoso antes de passá-la para a outra.

- Venha! Como nos velhos tempos!

Grace puxou a mão da Dudley e as duas giraram pelo quarto, rindo enquanto tentavam dançar.

- Pelo amor de Deus, você dança muito mal Grace!

- Cale a boca, eu sou razoável!

- Não é não! Olhe isso! Você pisou no meu pé!

- Dramática!

- Eu só te tolero porque eu te amo, porque nossa, que horrível!

- Pare de reclamar e dance comigo, Mary!

- Dois pés esquerdos...

- Jesus... E Mary?

- Sim?

- Eu também te amo, irmã.

E essa foi a última vez que elas riram juntas.

Grace e Mary - Thomas ShelbyOnde histórias criam vida. Descubra agora