4: Som das águas

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-Ficou bom!!-Exclamei olhando para as calças perfeitamente ajustadas em seu corpo. Ele fez o mesmo, olhando para si com desconfiança.-Vamos dormir agora.-Falei apontando para o sofá ao lado da minha cama, com o cobertor dobrado em cima. Sem hesitar,o homem se deitou,se acomodando como um bebê no colo da mãe. "Será que é seguro?" Perguntei a mim mesma,me referindo ao fato de ele ser muito estranho, beirando o assustador.
Ele olhou fixamente para mim,seus olhos azuis, quase esverdeados, brilharam intensamente. Voltei a sentir paz novamente, não evitando o pequeno sorriso entre os lábios. Por algum motivo,os olhos dele eram como um calmante...um anestésico:

-Boa noite.-Falei, já me virando pera o outro lado da cama.

Acordei novamente, melada de suor e lágrimas, meu corpo parecia estar sem ar. O mesmo pesadelo,as mesmas palavras,as mesmas pessoas. Olhei em volta tentando me situar novamente,me sentando.
Notei que o homem me fitava, sentado no sofá, iluminado pela luz da madrugada. Ele pareceu confuso,como se estivesse me analisando. De repente,ele se aproximou lentamente, olhei para ele, acompanhando cada passo que ele dava até minha cama. Até que ele se sentou ao meu lado.
Desconfiada, cheguei alguns centímetros para o lado contrário ao qual ele estava, apoiando as mãos nos joelhos:

-Você está... bem?-Ele perguntou, cortando o silêncio,parecia estar analisando as próprias palavras.

-Bem...sim.-Suspirei, olhando para meus próprios joelhos.-Tive só um pesadelo. Eu cresci em um orfanato sórdido... fundado pela igreja católica,onde uma das irmãs espancava as crianças...ele foi fundado para que os órfãos crescessem sabendo a doutrina e os costumes americanos fora do Havaí, acho que isso me deixou algumas marcas.-As lágrimas começaram a rolar de meus olhos silenciosamente. Delicadamente,ele pegou meu queixo ficando perto o suficiente para que eu sentisse sua respiração. Ele tocou minha bochecha, pegando uma lágrima com a ponta do indicador.

-Água...-Ele sussurrou. Franzi as sobrancelhas, tentando entender o que ele estava dizendo. Então,para a minha surpresa,ele colocou o dedo na boca,o chupando. Arregalei os olhos sem reação.-Mar? Como você fez?-Ele perguntou olhando no fundo dos meus olhos, parecendo procurar algo.

-Você é doido?!!!-Perguntei,me levantando da cama.-Se isso é algum fetiche esquisito,pode esquecer!!!!-Falei, cruzando os braços.

-Fetiche...?-Ele perguntou, parecendo realmente não ter entendido. Suspirei derrotada,sem saber como proceder.-Você...está com... medo? As lulas... quando se assustam...soltam tinta na água. Você solta gotas do mar.-Ele terminou. Olhando para mim com serenidade,ele pegou uma de minhas mãos, fixando seus olhos nos meus. Apenas me deixei ser levada,como se seus olhos estivessem me atraindo.-Quando meu povo está com medo... cantamos.-Ele disse, por fim,me envolvendo em um abraço leve.
Foi como se eu já tivesse estado naquele abraço há anos. Senti ele aproximar os lábios do meu ouvido, então, em pouco tempo, comecei a ouvir uma melodia lenta e graciosa. Invadiu minha mente como um furacão,me levando a fechar os olhos.

Acordei com o despertador berrando ao lado da minha cama. Eu havia dormido como um bebê, sonhei apenas que eu estava mergulhando na imensidão azul do mar... Foi uma experiência única, que nunca havia sentido antes.
Por instinto, meus olhos buscaram pelo homem cujo o canto conseguiu me anestesiar,mas ele não estava em lugar algum. "Será que eu sonhei tudo isso?" Pensei, enquanto andava pela casa toda a procura dele.
Passei um tempo procurando,mas ele simplesmente desapareceu. Por algum motivo,me senti um pouco frustrada,mas tentei ignorar, acreditando que foi um sonho. Me sentei para tomar café, tentando afastar o "sonho" da minha mente. Mas um barulho na janela da sala me chamou atenção.
Corri até o local, ainda com a xícara em mãos,me deparando com o mesmo homem o qual invadiu meus pensamentos desde que acordei. Seus cabelos e corpo estavam pingando água no chão, enquanto ele entrava calmamente pela janela, como se não fosse nada estranho:

-Oi...-Ouvi minha própria voz ecoar em tom baixo, embargada pelo sono. Não ouvi resposta alguma, então olhei suas feições,como se sua expressão fosse me dar alguma resposta.-Onde você estava?-Perguntei, erguendo uma sobrancelha, enquanto bebia um gole do café. Andei de volta à mesa,me sentando novamente.
Ele apenas me seguiu até a cozinha,sem dizer nada. Parecia cansado,e até mesmo, triste.-Está tudo bem?-Perguntei erguendo uma sobrancelha. Ele apenas olhou em direção a janela novamente, depois direcionando os olhos novamente para os meus.

-Não,mas vai ficar.-Foi tudo que ele disse, antes de olhar o bolo em cima da mesa e se sentar a frente do alimento.

-Você quer um pedaço? É de chocolate com nozes.-Ofereci, notando o olhar fixo dele para com o bolo apetitoso.

-Não gosto da sua comida.-Ele disse friamente.

-Você nunca comeu minha comida,como não gosta?-Perguntei, ouvindo nada mais que um silêncio cortante.-Bem, que seja. Tenho que trabalhar, quando eu chegar, vamos até a polícia... deve ter alguém procurando por você.

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