39: Quarto 113(último capítulo)

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Agarrada a Cian, três dias depois, tentei não pensar em mais nada, enquanto ele olhava para o teto do meu quarto:

-Então,quer dizer que você sempre soube onde ela estava?-Perguntei,me referindo a lança. Um arrepio percorreu meu corpo,ao lembrar do objeto fazendo minha respiração oscilar.

-Sempre.-Ele afirmou, ainda olhando para o teto.-Tenho uma conexão com ela.

-E porque não foi até lá para achar Nahala?!-Me apoiei em meus cotovelos, fitando seus lindos olhos. Ele sorriu, aparentemente analisando minha expressão.

-Eu não fazia ideia de que a lança estava no mesmo lugar em que eles a estavam prendendo,para mim,era um objeto importante,mas minha irmã era prioridade. Quando entrei na Corporação pelos canos...assim que coloquei os pés no chão,os guardas já estavam a minha espera. -Ele suspirou.-O líder...seu amigo...-Ele me fitou por alguns segundos antes de continuar.-...ele se aproximou pelas minhas costas e colocou algo no meu nariz, então eu acordei já onde você me encontrou. Ele disse que sabia que você viria a minha procura,e que não via a hora de você chegar para ver o quão patético eu era...eu tentei te contar quando você chegou,mas não consegui falar. Ele já havia me machucado muito. -Ele também se apoiou sobre os cotovelos, ficando com o rosto a centímetros do meu.-E...você está bem?-Ele me fitou com apreensão.

-Bom... é complicado...mas vou tentar ficar melhor.-Dei um leve sorriso, passando o polegar sobre sua bochecha.

-Talvez isso ajude um pouco.-Ele me beijou com inocência e leveza,me fazendo sorrir.

-Ajudou um pouco.-Ri, praticamente derretida. O celular tocou,nos interrompendo. -Alô?

-Aolani? Aolani Kahele?-A voz ecoou em meus ouvidos, fazendo meu corpo de arrepiar.

-Sim...

-Ah, graças a Deus! Como você está? Ainda continua sorridente?-A voz da senhorita Chaley, secretaria do orfanato,bateu em meus ouvidos novamente,me trazendo de volta a mais uma de minhas feridas. Ela era uma das poucas que tentavam me defender das agressões,mas também não fazia muita coisa. Respirei fundo,fechando os olhos:

-Acho... acho que sim.-Quase sussurrei.

-Querida,me desculpe...me desculpe por estar ligado assim. É que... irmã Mclory está muito doente. Ela me implorou que te contactasse.-Ao ouvir o nome da mulher,minhas pernas ameaçaram seder, fazendo com que eu me sentasse. Senti Cian envolver minha cintura por trás,o que me deu um pouco mais de calma.-Aolani,ainda está aí?

-S-sim...o que ela quer de mim?-Perguntei, hesitante.

-Ela disse que precisava conversar com você e que não poderia descansar sem falar... sinto muito minha querida,eu tinha que ligar...mas vou entender se você não quiser.-Engoli em seco.

-Posso ligar depois?-Apertei o celular, sentindo as lágrimas caírem.

-Tudo bem querida.-Ela disse, desligando alguns segundos depois. Continuei com o celular no ouvido, olhando para o nada como uma catatônica, até que senti a mão de Cian abaixar o aparelho com delicadeza.

-O que houve?-Ele perguntou, ainda envolvendo minha cintura.

-Irmã Mclory...ela que me ver. Ela está muito doente...-Falei, movendo apenas os lábios. Cian me puxou delicadamente,de forma que nossos olhos se encontrassem. Ele passou o polegar sobre minha bochecha, limpando as lágrimas.

-Você não precisa ir,mas se quiser, estarei com você.-Ele afirmou, dando um leve e doce sorriso.

-Eu não sei se consigo fazer isso... é muito pra mim...eu...-Comecei a chorar novamente,me levantando da cama.-Como eu poderia fazer isso?!-Cian apenas me encarou, logo se levantando da cama.

-Quando minha irmã morreu, não tive tempo de pedir perdão a ela...meu coração ainda dói de saber que ela partiu sem nem ao menos saber o quanto eu sentia.-Seus olhos brilharam,me fazendo,pela primeira vez,desviar-me deles.
Ainda olhando para baixo, senti seus braços fortes me envolverem mais uma vez,e não dissemos absolutamente nada por minutos.

•••

Não acreditei que havia ligado para o mesmo número que me deu aquela "facada", muito menos que havia pedido o endereço do hospital.
Parada à frente do prédio, senti meu coração bater nos ouvidos. Cian se colocou ao meu lado,sem dizer nada. Olhei para ele como se quisesse relembrar que ele estava ali. Ele segurou mão e eu a apertei a dele, entrando em passos leves no hospital:

-Quarto...-Pensei bem nas palavras que diria a recepcionista,pois a partir do momento em que as palavras saíssem,ela apontaria a direção.-Quarto 113...sou Aolani Kahele...-A frase foi dita, agora não poderia voltar atrás, pois sempre saberia onde ela estava. A mulher coçou a sobrancelha com sua unha enorme enquanto olhava para mim. Por fim,ela sorriu, voltando os olhos para alguns papéis no balcão.

-Ok... documento,por favor.-Ela pediu, ainda sorrindo. Soltei a mão de Cian e enfiei a mão na bolsa a procura da identidade.-Pode entrar. É a primeira porta a direita, lá em cima.-Ela disse depois que lhe entreguei o documento,me devolvendo em seguida.
Agarrei a mão de Cian,o puxando rapidamente pelo corredor até chegar no lugar indicado,meu coração acelerou como se eu realmente fosse infartar a qualquer momento. Bati na porta sentindo minha alma me repreender.

Srta. Chaley abriu levemente a porta, esboçando um sorriso fraco. Olhei para Cian novamente, que simplesmente sorriu,e sem dizer nada,me beijou suavemente, como um beija-flor:

-Você não está mais sozinha...-Ele sussurrou, antes de se afastar. Então, tocou meu peito, logo tocando o dele também. Dei um sorriso fraco, abraçando-o.

Respirei fundo quando Srta. Chaley me deu espaço para entrar. Coloquei um pé no quarto, olhando para o chão branco. Então,tomei coragem e segui em frente, entrando completamente no cômodo:

-Ela está aqui, Margareth.-Srta. Chaley afirmou quase em um sussurro. Olhei para a mulher deitada na cama,mas não vi a irmã Mclory que costumava assombrar meus pesadelos,vi uma senhora magra, que tremia da cabeça aos pés. Seus cabelos brancos se espalhavam pelo travesseiro como uma plantação de algodão.-Vou deixar vocês em paz.-Srta. Chaley anunciou. Queria gritar para que ela ficasse e implorar que me tirasse dali,mas respirei fundo,me sentando na cadeira ao lado da mulher que um dia me fez comer minhas próprias fezes:

-Sei que não queria estar aqui...-Ela afirmou com a voz trêmula.

-É...-Foi tudo que consegui dizer antes que o nó se formasse em minha garganta.

-Não espero que me perdoe... só...

-Você só quer se livrar da culpa para não ir pro inferno.-Afirmei. Mclory fitou o teto com os olhos quase sem vida.

-Não é bem assim... só não posso ir embora...sem te pedir perdão. Agora, cabe a você me perdoar ou não.-Ela sussurrou. Mordi o lábio, olhando para minhas próprias mãos.

-Você destruiu a minha vida.-Minha voz saiu embargada pelo choro. Tirei os olhos das mãos, finalmente os colocando sobre ela novamente.-Mas eu te perdôo. Não aqui, não agora...mas um dia...-Terminei, ainda sentindo as lágrimas rolarem.

-Já é alguma coisa...-Ela deu um leve sorriso, fechando os olhos lentamente,e assim, ficando inerte. Olhei-a enquanto o aparelho apitava, indicando sua partida.

"Te perdoarei, Mclory... quando estiver pronta.."

CianOnde histórias criam vida. Descubra agora