9: Olhos azuis e um segredo

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O desespero era tão grande nos olhos dele, que cheguei a ouvir meu coração se quebrar:

-Ei...-Me sentei a sua frente, até me esquecendo do que estava acontecendo segundos antes.-Está me assustando,o que foi que aconteceu?-Minha voz saiu terna,como se eu estivesse tentando fazer uma criança parar de sentir medo. Cian respirou fundo, olhando para suas próprias pernas cruzadas sobre a cama.

-Você é boa. Não é como os outros.-Ele soltou, se desviando um pouco da minha pergunta. Então, sem aviso prévio,ele encostou sua testa na minha, tocando meu braço e depois, com a mesma mão, tocando o coração. Logo após esse gesto,ele sorriu fracamente.

-Você... precisa de ajuda, certo? Como posso ajudar?

-Nahala,ela sumiu...pegaram ela.-Ele soltou em tom de derrota.-Tiraram nossa comida...ela veio para mais perto e então eles a pegaram.-Ele terminou, olhando para mim.

-Quem é Nahala? Ela estava perto de onde?-A aflição já era aparente em minha voz. Cian simplesmente ignorou minha pergunta,me puxando pelo pulso para algum lugar. Olhei para minha cama, ainda molhada por ter sustentado meu corpo depois do afogamento,e depois direcionei os olhos a ele novamente.-Cian!! O que está fazendo? São quase duas da madrugada!!-Exclamei, tentando,em vão, arrancar meus braços de suas mãos. Só tive tempo de trancar a porta de casa antes que ele voltasse a me puxar.
Olhando melhor a paisagem, notei que Cian estava me levando até Kapalua Beach, onde eu costumava surfar, então,meus ombros se relaxaram.
A medida que o cheiro salgado do mar se aproximava,ele andava mais rápido, chegando ao ponto de correr até a areia. Sem muito o que fazer,o segui até a orla. Cian veio até mim, pegando uma de minhas mãos com delicadeza e a colocando sobre o próprio peito novamente:

-Você...eu... segredo.-Ele disse praticamente em um sussurro. Apenas assenti,sem saber o que fazer. Cian arrancou as roupas,me fazendo tapar os olhos.
Então ele pegou minha mão,me levando até o mar. Senti o medo me dominar,e comecei a querer me afastar,mas parei ao vê-lo gritar, enquanto se ajoelhava e se curvava. Meus olhos se arregalaram ao ver, diante de mim, sua pele se desmanchar, enquanto ele se arrastava até a parte mais funda mar, fazendo com que eu o seguisse sem perceber. Ele mergulhou, ressurgindo alguns minutos depois,mas não era o mesmo que havia mergulhado: sobre as asas da noite,vi a minha frente uma espécie nova;seus olhos grandes brilhavam com a luz da lua, ainda eram azuis,mas não eram ternos. Sua pele, antes lisa e bronzeada, estava coberta por algo semelhante a escamas acinzentadas,das quais ficavam em maior quantidade a partir da cintura. Estava escuro, então não pude ver mais detalhadamente. Seus olhos eram como os de um predador e até sua postura pareceu mudar.
Horrorizada e impressionada ao mesmo tempo, coloquei as mãos sobre a boca, ainda o olhando atentamente. Ele franziu a testa, parecendo incomodado com a minha reação. Ainda com medo,me permiti tocar seu rosto com cautela, com a boca entre aberta por pura incredulidade. Ele tirou minha mão de seu rosto, colocando-a, mais uma vez,em seu peito,mas eu não senti a mesma sensação,sua pele era fria e escorregadia agora. Olhei em seus olhos grandes novamente, talvez no desespero de encontrar o mesmo Cian que havia ali muitos minutos atrás,mas tudo que vi foram olhos selvagens e penetrantes, que me encaravam e me assustavam. O frio da noite começava a me castigar no meio daquelas águas escuras e geladas, então, comecei a tremer:

-Como...?-Perguntei, ignorando meu próprio frio. Ele ainda me encarava com seriedade, com a mão sobre a minha, que ainda estava em seu peito. Meus olhos foram em direção a ela, encontrando uma mão tão fria e escorregadia quanto o resto de sua pele, unhas que maís se assemelhavam a garras, além de finas membranas entre os dedos.
Sem dizer absolutamente nada,o homem-peixe se afastou, sumindo na escuridão do mar;me deixando sozinha e com a testa franzida em sinal de incompreensão.
Vencida pelo frio, saí da água, ainda olhando para trás uma última vez, tentando assimilar tudo que houve.
A minha vida toda sonhei em ser biologa marinha pelo fato de que o oceano sempre me intrigou. A superfície é literalmente a ponta do iceberg que existe a baixo dele. Sempre estive disposta a entender que haviam coisas e criaturas diferentes no fundo dele, já que ainda não temos condições de explora-lo por completo.
Meu coração estava dividido entre a felicidade de ter descoberto uma criatura tão incrível,e o medo dessa mesma criatura.
Ainda pensativa,fui andando para casa meio sem rumo. As ruas desertas me davam aínda mais espaço para pensar.

CianOnde histórias criam vida. Descubra agora