O vento nas proximidades marítimas estava mais gélido e intenso do que de costume,mas assim Cian quis se sentar a frente do mar. Para compensar,ele praticamente me enrolou entre os braços, como se ele fosse meu cobertor... então, nem me atrevi a reclamar:
-Amor?-Chamei-o carinhosamente pela primeira vez.
-Esqueceu como me chama?-Ele perguntou, franzino as sombrancelhas, confuso com a troca repentina de apelidos. Gargalhei, sentindo minhas bochechas ficarem quase roxas.
-É só uma forma de demonstrar carinho.-Passei uma das mãos em seu cabelo, bagunçado os cachos.
-Ah... entendi... amor...-Pude ver seu sorriso iluminando a escuridão da praia, através das poucas luzes. Sorri também, completamente derretida.-O que ia perguntar?
-Aquele dia...na praia, quando eu estava me afogando...foi você quem me salvou, não é?
-Sim. Estava passando perto de onde você estava... procurando algo para comer. Foi aí que vi algumas da minha espécie rondando um corpo. Ao chegar mais perto, percebi que era você.
-Foram elas quem agitaram o mar daquele jeito?
-Provavelmente.-Ele deu de ombros.
-Nossa... você também faz isso?-O brilho da curiosidade atingiu meu coração.
-Todos os da minha espécie fazem... é uma forma de desorientar os peixes.
-Isso é tão... intenso...-Suspirei.
-Você acha? Eu gosto de me alimentar assim, é mais fácil.
-Falo do que nós temos... isso tudo que aconteceu... Você,eu,essa história de tritões e sereias...
-É demais pra você?
-Não verdade, tenho muitos sentimentos sobre isso...mas em geral, acho interessante.
-Também te acho interessante. Desde o momento em que te vi pela primeira vez... quando você estava em cima do mar, naquele barco estranho.
-Barco? Quer dizer a minha prancha?
-Ah...eu não sei.-Ele riu.-Apenas sei o que minha irmã me contava sobre os barcos.-Rimos, olhando um para o outro.
-É, como foi depois do que aconteceu com ela?-Perguntei com cautela.
-Foi horrível...eu só conseguia nadar sem rumo,sem saber o que fazer.
-Queria ter estado com você...
-Também queria...mas... acho que não seria bom. Eu estava confuso sobre o que estava acontecendo comigo.
-É... talvez tenha sido melhor assim. O estranho é que depois que você se foi, meus pesadelos também se foram.
-Ah... então funcionou.
-O que?
-O canto, lancei um encanto para que você não se perdesse mais na escuridão dos seus pesadelos.
-Bom... obrigado...eu acho...-Suspirei pesadamente, percebendo que não havia sido eu que tinha mantido o auto controle.
-Está tudo bem?
-Sim...eu só... bom...eu achei que eu é quem estava conseguindo manter essas coisas longe de mim.-Ri nervosamente e decepcionada.
-Desculpa Aolani... não devia ter mencionado o encanto.-Ele me apertou ainda mais.
-Está tudo bem, ainda bem que me contou...
-Você tem esses sonhos ruins desde criança?
-Basicamente. A diferença é, que quando eu era criança,os pesadelos não eram só ao dormir... quando eu acordava, ainda tinha mais traumas a serem enfiados em minha mente.-Meus olhos marejaram, ameaçando o choro.
-Sinto muito... com certeza deve ter sido horrível.
-É... aquela freira não tinha bondade alguma. Ela não permitia que nenhuma criança agisse como criança...ela era perversa.-A essa altura,as lágrimas já rolavam em silêncio. Me lembrar de tudo que passei nas mãos daquela mulher me fez estremecer. Lembrei-me de uma certa vez em que aquele ser maligno me trancou para fora do orfanato porque eu estava com medo do escuro... segundo ela,eu precisava ser mulher; mesmo que eu tivesse apenas 6 anos na época. Suspirei, me levantando.-Podemos ir pra casa?-Perguntei, já pronta para sair de lá.
-Você pode ir... preciso voltar.-Ele afirmou,se levantando e apontando para o mar. Mordi o lábio, prestes a chorar como uma criança.
-Eu... preciso de você hoje...-Praticamente sussurrei, segurando sua mão.
-Eu sou o líder deles Aolani,eles também precisam de mim...por favor, não fique chateada, eu prometo que volto cedo.-Ele apertou minha mão, esperando que eu respondesse. Suspirei derrotada, soltando a mão dele e indo em direção a moto, porém, Cian segurou um dos meus braços com delicadeza.-Eu amo você... ninguém vai te machucar, nunca mais,eu prometo!-Ele afirmou com convicção,me beijando calmante. Me senti completamente segura e longe da crueldade de irmã Mclory, porém, ainda sentia um pesar...uma dor que inundava meu peito e fazia minhas pernas tremerem.
Mclory me traumatizou imensamente,de uma forma que nenhum enquanto poderia repelir, apenas amenizar,mas se eu quisesse superar tudo isso,o sentimento deveria vir de dentro de mim. Eu precisava deixar o passado para trás e focar no futuro:-Cian. Desfaça o encanto.-Praticamente ordenei a ele.
-Não posso... não estarei lá essa noite.
-Desfaça.-Soltei, fazendo com que ele suspirasse.
-Tem certeza disso?
-Por favor.-Pedi,Cian apenas me abraçou sem dizer nada, então, comecei a ouvir o canto que ele sussurrou no meu ouvido.

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Cian
FantasyO que existe nas águas profundas do mar? Você pode afirmar,sem que haja medo em seu coração? O fato é que nunca estamos preparados quando o desconhecido se torna parte do dia a dia e as lendas são mais reais que o ato de respirar. "Àqueles malditos...