14: Selvagens

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Olhei para o homem sentado ao meu lado, notei que seu semblante parecia triste:

-O que houve?-Perguntei sem pestanejar.

-Nahala desapareceu por culpa minha...e agora não consigo mais voltar pra casa sem saber que ela está bem.-Talvez tenha sido a frase mais terna que saiu de seus lábios.

-Quem é Nahala?

-Ela nasceu alguns anos antes de mim. Foi a primeira a nascer...saiu do mesmo ventre que eu.

-Sua irmã...-Sussurei, mais para mim mesma do que para ele.-Não sei se posso perguntar,mas...o que aconteceu? Digo,no dia em que ela desapareceu.-Os ombros de Cian se irrigecereram com minha pergunta,e até achei que ele fosse brigar comigo por sua expressão, porém,ele apenas olhou para baixo e começou a contar:

-Meu povo odeia vir a superfície, nós costumamos habitar as partes fundas e escuras...

🌊©️🌊

-É o único jeito.-Cian dialogava com sua irmã no idioma que,para os humanos, não passavam de sons lamuriantes de baleias jubarte. Sua espécie só se comunicava assim quando estavam querendo arrumar briga, caçar ou até mesmo assustar mergulhadores desavisados. Porém, aquela não era nenhuma mergulhadora, muito menos sua inimiga,e mesmo assim,ele tentava a alcançar com gritos de caça e chiados de ameaça.
Selvagens... era isso que eles eram. Controlados pelo impulso ou acaso, podendo arrancar a jogular de um membro da própria espécie, simplesmente pelo calor do momento. Eram selvagens sim, porém, ninguém os culpariam por se portar dessa forma:

-Não!!-Ela gritava, também no mesmo idioma de ameaça.-Eles são perigosos, mataram Hani!-Ela sobressaiu o irmão nas ameaças, sabia que tinha autoridade por ser mais velha e mais forte, além de ser a líder da tribo. Todos os dias,a sereia era perturbada por saber que humanos assassinaram sua mãe, e mesmo assim,seu irmão estava alí, implorando para que ela o levasse a superfície... como permitiria que seu único irmão cometesse esse infortúnio? Ele cruzou os braços olhando para ela com profundo desgosto,como ela preferia deixar todo o cardume padecer desse jeito?! Não estava certo, não é o que sua mãe faria. Então,sem pestanejar,o tritão nadou para longe da irmã,rumo as proximidades da superfície, rumo aos humanos.
Nahala observou seu irmão se afastar, até soltou um grito de raiva e angústia para ele, que decidiu não escutar. Vencendo o orgulho,a sereia foi atrás dele, nadando o maís rápido que pôde.
Apenas comer e alimentar seu cardume...era tudo que o tritão buscava ao bater a longa cauda em direção a superfície. Ele estava cansado... não queria mais comer sobras de peixe e, muito menos carne humana. O cardume não se importava,mas ele... simplesmente não aguentava mais ver sua irmã e as outras arrastando homens sedentos de amor em direção ao fundo escuro do oceano, com belezas forjadas, enganando humanos solitários que queriam se satisfazer por pelo menos uma noite.
Oh, é claro que ele não diria esse detalhe a humana ao seu lado, afinal, ainda sim,era cruel... talvez não fossem tão selvagens assim, pois sentiam compaixão.
Dominado pela ânsia,ele chegou a "zona proibida". Sua irmã logo atrás, tentando chamar a atenção com lamúrias e gritos estridentes. Com brutalidade,ele agarrou o peixe com a lança de pedra azul,dada por sua mãe...todos os machos caçavam desde muito jovens,e gostavam disso,Cian não era diferente; rápido, certeiro graciosamente cauteloso.
Mas ultimamente,as fêmeas é quem caçavam, indo até a superfície e trazendo carne para a mesa... carne humana. Anteriormente, ele também não se importava, humanos eram ruins, perversos, assassinos,mas tudo ficou diferente quando a viu pela primeira vez: Aolani, que surfava por cima das ondas com um objeto curioso. Isso lhe chamou atenção,ele passou a observá-la com curiosidade sempre que fugia de Nahala. Aolani, com seu jeito estranho, tão estranha quanto ele seria para ela em sua forma natural.
Nahala,por outro lado,abominava a raça humana com todas a forças de seu corpo,e não podia... não queria evitar.
Saboreando o peixe,o tritão não percebeu o enorme tubarão branco se aproximando. O animal abriu lentamente a boca, reverendo longos e finos dentes, assim como os do ser que ele estava prestes a tentar morder. Com um instinto animal,Cian se desviou do tubarão com precisão, nadando para cima. Ainda tentando se alimentar,o tubarão o atacou novamente, fazendo com que ele se desviasse por várias vezes, até que mordeu o animal na tentativa de distrai-lo,o que realmente aconteceu: o bicho se balançou, tentando se livrar dos dentes de Cian, tão finos e fatais quanto os seus. Ainda movido pela adrenalina,o tritão enfiou sua lança no tubarão, empalando-o na areia.
Ofegante,ele notou a aproximação de Nahala,que havia visto toda a cena. Orgulhosa,a sereia fez menção de se aproximar do irmão,porém,a rede de pesca foi mais rápida que ela.

CianOnde histórias criam vida. Descubra agora