Mile está há um tempo sentada à mesa da cozinha, os olhos mergulhados nos trilhos desalinhados da cortina, a cabeça vagando na lista de preços dos melhores advogados da cidade.
Ligou para alguns. Custam mais caro do que poderia arrecadar em um ano de trabalho. E todos lhe advertiram que não há garantias. A atuação advocatícia é uma "atividade meio". Não é como o nariz de Kate Middleton, que se compra por meio de uma cirurgia plástica. Uma boa, é claro.
Já faz duas horas e meia que Elza foi levada. Não pode visitá-la sem uma boa notícia.
Pensa em ligar para a tia Mona e pedir a grana emprestada. E logo se lembra de que ela investiu as economias na própria loja de comida Holandesa: uma novidade que contou semanas atrás, certamente uma das razões de se esforçar tanto para levar Mile e Elza a Houston.
Ainda pode tentar a advocacia pública. Cogita.
É. A advocacia pública!
Levanta-se num pulo, alcança a chave do carro no aparador. Depois dirige por 20 minutos, estaciona na frente de um prédio branco de paredes lascadas, de dois andares.
Um homem pequeno, amarelo e de rosto juvenil lê o mandado, a coluna meio vergada, os cotovelos sobre a mesa. Certamente, um advogado público recém nomeado ao cargo. Parece ser ainda mais novo do que ela. Ele olha para o papel como se estivesse calculando as células de um Sudoku.
_ A perícia constatou que as assinaturas são da acusada. Acho bem difícil reverter o caso. Ela estava tentando fugir do país? _ O rapaz pergunta, que é como um combustível explosivo que cospe o corpo de Mile para fora da sala.
Segundos depois, apoia as costas na parede, do lado de fora do prédio, abraçado ao papel que puxou grosseiramente debaixo do cotovelo dele. Engole para não chorar. Seu queixo está apontado para o sol fritante do meio dia, enquanto suas íris se escondem por trás das pálpebras apertadas, uma forma de afrontar a desconsolação e investir na maquinação de uma solução.
Uma solução... Uma solução... Sua garganta está apertada demais para passar qualquer coisa além do fato de sua mãe estar na merda de uma cadeia pública neste momento.
***
Mile trafega entre as impecáveis mansões da Zona Dois, a 10km/h, secando o suor na testa com o punho.
Estaciona embaixo de uma árvore centenária. Expira um jato de indignação, enquanto sobe o freio de mão. Suas cordas vocais fabricam um gemido carregado.
Encara a mansão cinza e branca, do outro lado da rua, que ocupa o quarteirão inteiro.
Arrepia-se quando vê o que parece uma penca de lagartas pesando as folhas dos coqueiros, no topo do muro. Agoniza-se com a recordação de quando uma pelota daquelas coisas despencou em sua cabeça, no início da adolescência.
Grunhe.
_ Humilhe-se! _ Aconselha-se, golpeando o volante com leves cabeçadas.
Em seguida, penteia os cabelos com os dedos, encarando-se no retrovisor. Arrasta o tênis no asfalto quente. Hesita um pouco antes de afundar o dedo no interfone. E quando o faz, o Sr. Joferson atende-o imediatamente. Abre a porta assim que vê a moça pela câmera.
_ Sua mãe está de folga hoje _ Ele avisa. Sua voz ecoa de dentro da cabine.
_ Ah! Eu sei! _ Ela engole a informação, num riso desiludido _ Mas... obrigada! É que, hã, hoje vim falar com a Olinda. Ainda é o turno dela, né?
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Certo como Murphy (COMPLETO)
Lãng mạnVocê acredita em azar? Para a Milena de 18 anos de idade, enquanto filha do rico e poderoso Jorge Zanella, a resposta poderia ser resumida num simples e bem direto: "o quê, tá falando sério?" Por sua vez, para a Milena falida e injustiçada de 24 ano...