8. Por que você não corta essa orelha fora, cara?

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_ Por que você não corta essa orelha fora, cara? _ Mikke brinca, um rapaz de olhos fundos e bigodes pontudos, enquanto enche o copo com uma dose nada moderada do reluzente Highland Park de 25 Anos. _ Ela tem uma ponta que, tipo, parece uma entidade.

A caçoada coletiva que sobrevoa a grande mesa redonda, no centro do bar, poderia ser facilmente confundida com o riso de hienas. Hienas num bar Viking. Um bar cujas paredes são de madeira de um tom marrom quente e um chão que finge ser feito de pedra rústica.

A luz escaldante do sol está invadindo as frestas propositais nas paredes, que certamente dificulta a manutenção dos 13 graus necessários para criar uma temperatura minimamente confortável para os tapetes peludos e para a lareira de pedra (desligada).  O estilo nórdico é algo bem inusitado no norte do Paraná, cuja primavera pode beirar facilmente os trintas e cinco graus.

Talvez por isso, Nathan esteja frequentando o lugar pela terceira vez, desde que voltou para o Brasil. Saudade das temperaturas frias do Canadá?

_ Sou conservador no que se refere à aparência humana. O estilo natural é uma obra da natureza. Sem padrões, sem regras... _ Jhonas responde, mas está bêbado demais para esconder a pitada defensiva no tom. Seus traços marcados remetem a uma caricatura dos desenhos da Cartoon. E isso pelo jeito o obrigou a trabalhar o humor durante a vida, justamente para lidar com momentos como estes.

_ Sabe que isso pode ser bem ofensivo para um cirurgião plástico, não sabe? _ Freddy diz, apontando nariz para Mikke.

_ Isso não é um problema meu _ Jhonas manifesta-se, engolindo um gole da bebida.

Os ombros largos e musculosos de Mikke vibram embaixo da camiseta preta.

_ É. Dá para ver mesmo! _ Freddy segura a ponta de orelha de Jhonas. 

E todos riem da careta de Gollum de Jhonas, exceto Nathan, que está há algum tempo correndo o dedo na tela do celular, a caneca de chope pela metade, ao lado do cotovelo.

_ E qual sua opinião sobre os milagres plásticos, Nathan? _ Freddy pergunta. _ Soube que você já encarou alguns.

Nathan não responde. Os cabelos hoje meio caídos na testa, escondendo uma parte das uma  sobrancelhas espetadas.

_ Nathan? _ Mikke sopra no ouvido dele.

O corpo do Volgone se agita no assento, num sobressalto, quando a unha fina de Mikke  desliza o lóbulo da sua orelha.

_ Uoooou. Essa viagem toda tem alguma ligação com esses arranhados nos seus braços, brother? _ Mikke questiona, dessa vez, resvalando o dedo no antebraço do rapaz, o que o obriga a esticar as mangas longas.

O mal estar no rosto de Nathan certamente poderia ser evitado se mantivesse as mangas estendidas sobre os punhos. Mas parece uma missão impossível não chamar a atenção, de um jeito ou de outro. Com o calor lá fora, é meio difícil justificar a roupa que veste. Mas poderia ser pior. Os arranhões poderiam ser no pescoço. E uma gola rolê certamente o meteria ainda mais no pódio da gozação neste momento.

_ Penso exatamente como meu amigo Jhonas Sodan _ Nathan declara, incorporando-se ao clima ácido, levantando a caneca de chope para o amigo, do outro lado da mesa. O rapaz devolve o brinde com seu copo de uísque. _ E não, eu emagreci me ferrando na academia.  O que as pessoas dizem por aí pode ser uma grande merda.

Nathan bebe.

_ Pensa como Jhonas Sodan? Mas isso é uma grande hipocrisia! _ Mikke se manifesta, de repente, num tom acalorado, como se tivesse guardando o comentário dentro de si há algum tempo. _ A maioria das suas namoradas conheceu o bisturi, em algum nível. A Gabriela, por exemplo. Posso lhe dar uma lista de intervenções que meu pai fez nela o ano passado. E coisas que você certamente vai usar bastante.

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora