_ Um espresso duplo, por favor _ Mile pede à garçonete, enquanto ajeita os quadris no banco do café.
Apesar de a reunião com Sillas visar a transmissão do que parece uma boa notícia, ela ainda tem o costume de ficar ansiosa enquanto o aguarda, no mesmo lugar, exatamente igual aos últimos oito meses.
Elza não gostava muito de falar com ele sem a companhia da filha, já que tinha extrema dificuldade de interpretar os termos jurídicos ele usa, e também tinha vergonha de ficar perguntando. Tinha que interrompê-lo a cada três palavras. Mas dessa vez, Mile está sozinha.
Nesse exato momento, Elza está preparando as malas para uma viagem urgente a São Paulo com Úrsula. O voo está previsto para uma da tarde de hoje.
É a primeira vez que Sillas se atrasa. Dez minutos, precisamente. São 11h10 da manhã. Ela verifica a hora no celular. Fugiu do trabalho só para falar com ele. Bufa, as bochechas inchando-se. Então aproveita para responder algumas mensagens de Rony, que conta sobre a terrível ressaca causada pelo Yoda.
Cora-se quando se lembra da noite passada. Chega a perder o ritmo enquanto digita. Meneia a cabeça para a memória, que tem o interessante poder de amortecer as dores que Nathan ainda lhe provoca no estômago. Nunca imaginou palavras quase tórridas na boca de Rony. É engraçado e talvez... talvez até um pouco excitante, embora ainda tenha certa dificuldade em absorvê-las. Ainda não tem um espaço adequado na cabeça para guardá-las.
E no fim, o que importa é que está empolgada. Um futuro ao lado de Rony é algo maravilhosamente bom, sob qualquer perspectiva.
O interessante é que, apesar do que aconteceu, as maneiras dele pelo celular não mudaram até agora. Conversa no tom de sempre, os assuntos de sempre, usando os emojis de sempre, como se nada tivesse acontecido. E isso é bom, tranquilizante, já que, com certeza, ela vai precisar de um bom tempo para se adaptar.
_ Srta Milena? _ Sillas se aproxima com sua maleta preta compacta embaixo dos braços.
Cumprimenta-o, devolvendo o aperto de mão. Explica as razões por que Elza faltou à reunião quando ele pergunta.
Ele pede algo para beber e já começa a falar, um tom formal com nuances de excitação. Conta que ontem transitou em julgado o acórdão que negou provimento ao recurso do Ministério Público. Em outras palavras, a sentença de absolvição de Elza foi mantida. Ela está livre dessa. Acabou. O processo chegou ao fim.
Ao mesmo tempo que fala, ele tira uns papéis da maleta e os deposita em cima da mesa. Procura as folhas que imprimiu da decisão final. Oferece-a à Mile, que pensa em dizer que poderia consultá-la direto pela internet, pelo celular, agora mesmo, já que os processos judiciais são eletrônicos hoje em dia. E ao invés disso, ela apenas passa os olhos nas últimas linhas. Comemora discretamente, tão emocionada e aliviada que poderia chorar.
Mas a felicidade, como já esperado, tem um curto prazo de validade quando se trata do julgamento da mãe. Sabe que essa é possivelmente a última reunião com Sillas, então busca as palavras certas para expressar sua opinião sobre o raciocínio jurídico que ele usou no processo, algo que a perturba já faz um tempo. Um desabafo. Precisa das palavras certas porque também não quer parecer ingrata.
_ Nossa! Foi uma saga e tanto, não é, doutor? _ Então ela começa, levando o olhar para cima da mesa. _ Foram tantos dias de angústia que... Nossa, eu agradeço mesmo! Mas... _ Limpa a garganta. _ Eu sei que senhor teve suas razões...já que se tratava de uma causa complexa, cujo êxito era a única contraprestação dos seus serviços, só que... _ Ela ergue os olhos para ele. _ eu tenho a impressão de que escolheu a alegação mais prática. Dizer que minha mãe foi induzida, enganada pelo meu pai... isso foi...
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Certo como Murphy (COMPLETO)
RomansaVocê acredita em azar? Para a Milena de 18 anos de idade, enquanto filha do rico e poderoso Jorge Zanella, a resposta poderia ser resumida num simples e bem direto: "o quê, tá falando sério?" Por sua vez, para a Milena falida e injustiçada de 24 ano...