23. É uma pena que sangre tanto

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Mile descansa no sofá depois de uma exaustiva manhã de exames. Descobriu que sua cicatrização óssea é fenomenal, mas as restrições ainda são imensas. 

Teve algumas sessões fisioterapia na clínica essa semana. Mas os Volgone, pelo jeito, fazem questão de ela começar o tratamento com uma conhecida da família, em quem depositam máxima confiança.

 Apesar das boas notícias, está pensando se o médico não trocou seus resultados com os de outra pessoa, dado seu histórico quase diabético. Já faz um tempo que ela está martelando nisso, olhando-se pelo reflexo da TV desligada. O motivo? O vazio provocado pelo excesso de solidão, que é sempre bem angustiante nas primeiras horas depois que Elza ou Rosa deixam-na sozinha. 

Elza está trabalhando meio período já tem umas semanas, desde que chegou da  viagem com Úrsula. A dona Rosa está se encarregando de algumas necessidades de Mile no período da tarde. Coisas cada vez mais pontuais. 

Depois de longos 15 dias exercitando-se (em segredo) para conquistar sua independência, principalmente para transferir-se do sofá para a cadeira de rodas, Mile finalmente se sente segura para reassumir algumas atividades. Já consegue visitar o sanitário sozinha. E o faz absolutamente escondida. Mesmo sob advertência do médico,  volta e meia usa o pé direito como suporte para alguns movimentos um pouco mais ousados. 

Por volta das 16h, ela recebe uma ligação de Rony, do celular que ele comprou pela internet e levou atraso absurdo na entrega. Agora, ela pode ver o rosto dele sem precisar se transportar para sua casa, o que fez uma única vez, na verdade, no mesmo dia que ele teve alta, semana passada.

O rosto de Rony já está bem desinchado, apesar das esverdeadas nalguns pontos. Está buscando um novo corte de cabelo, um que possa esconder a falha no couro cabeludo. Agora que está sem a faixa, dá para notar claramente os cabelos mais arrepiados onde houve o sutura, na lateral da cabeça, um buraco até bem grande.

Além de desabafar, pela segunda vez, seu inconformismo em não poder assistir ao lançamento do filme do "Homem-Aranha", Rony também reclama da lista imensa de exames neurológicos que será obrigado a fazer amanhã, que deverão ser repetidos quinzenalmente pelos próximos dois meses, no mínimo. Talvez a sua viagem se atrase um pouco por causa disso.

_ Então... o imbecilzão do Volgone decidiu lhe dar um pouco de paz? _ Rony pergunta, num tom atípico, debochado, depois de Mile lhe contar, quase nos mínimos detalhes, sobre a fórmula incrivelmente eficaz que desenvolveu para exorcizar o demônio de uma vez por todas de sua vida.

E por falar em demônio, já faz uns quinze dias ela que não tem notícias dele, exceto pelos comentários desafetados de Elza, a exemplo de como a mansão fica vazia sem ele. Ele está trabalhando demais. Teve que voar às pressas para o Canadá há algumas semanas para resolver umas bombas da empresa dele. E Mile ainda não sabe se consegue acreditar nisso plenamente.

De repente, uma discreta tosse ecoa da cozinha. Ela gira o pescoço para trás. O susto abala seu corpo no sofá. 

_ É o Nathan _ Mile sussurra para Rony, os olhos arregalados para o rapaz esparramado na cadeira da mesa da cozinha, concentrado no celular.

Ela abraçando o celular no peito, cravando-o com os olhos esbugalhados.

_ Porta dos fundos _ Ele diz, ainda atento ao aparelho nas mãos.  _ Não quis arriscar interromper a sua conferência em Pequim.

A cabeça de Mile convulsiona.

_ Mas o quê... o que pensa que...?

_ Vitamina D. Por isso estou aqui agora.

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora