_ Como assim, mês sim mês não? _ Mile berra no celular que Emily lhe emprestou, enquanto liga a seta para a direita, rumo à Avenida Cerro Azul.
_ Poderia ser pior. A Zália estava cogitando me remover definitivamente para lá _ Emily conta, e sua fala mansa faz parecer que a fato não é tão grave assim.
_ E isso é legal? Tipo... Eles podem removê-la desse jeito?
_ E que diferença isso faz, amiga? Sei de um punhado de gente que está de olho na minha vaga.
_ Então, mas... _ Mile ia começar a falar, mas desce a mão na buzina. _ Seta que é bom nada né? _ Ela berra, absolutamente sem paciência.
_ Caramba, amiga, você não tem noção do perigo mesmo hein! O que mais se vê hoje é gente maluca no trânsito. Ele pode ter uma arma e...
_ Eu sou a arma, Emily. Eu sou a arma. A pior delas. Tenho uma bomba armada no meu corpo desde que nasci. _ Mile brinca, embora haja um sutil camada de verdade em seu tom. Estaciona na frente da empresa. _ Mais tarde eu te ligo, se eu estiver inteira até lá. Enquanto isso, tente... tente pensar com calma, ok? Pode haver um punhado de clínicas afim de você também. Se soubessem sobre sua resistência alcoólica... Aí, é um atributo que você deveria adicionar ao seu currículo, não é não? Me parece bem útil nas profissões que envolvem bisturi e furadeiras.
A risada de Emily sai aveludada. A voz dela é o tipo que faz massagem no centro do cérebro. Mile não pode evitar a sensação de que pode morrer se a amiga for embora para outro Estado. E certamente estaria sofrendo bem mais se a mente não estivesse quase que inteiramente envolvida com injusta guerra contra os Volgone. E talvez, agora, com os Schererzer também. Precisa de foco e um pouco mais de frieza. Seu cérebro trabalha loucamente nisso.
_ Ah, amiga. Obrigada por me emprestar o celular.
Mile agradece, pela décima vez.
***
Mile mal pousa o scarpin vermelho na sala de espera da empresa e Sandy vem arrastando as sandálias de borracha no chão, segurando a barriga enorme.
_ Ele quer falar com você.
Sandy anuncia, sussurrando, e seu rosto é como a personificação perfeita do infortúnio, o que dispara o coração da moça.
A mulher a conduz pelo corredor amarelo do primeiro andar. O café com biscoito que a moça começou mais cedo começa a efervescer na traqueia.
Sandy abre caminho para a sala do Sr. Dílio, o diretor da empresa, que agora atrás sentado à sua mesa impecavelmente branca e repleta de porta-retratos com fotos dos seus dois shih-tzu.
_ Sente-se, por favor.
O braço forte e longo do homem negro se estende em cima da mesa para apontar uma das poltronas à frente. A voz dele parece sufocada, bem diferente do timbre divertido de sempre. Seu rosto liso e quase sempre risonho agora não tem marcas de expressão. Está como uma pedra fria, que vai exalando um clima cruento ao redor de si.
Ela se senta na poltrona de couro, ajeita a bolsa gigantesca no colo.
O homem encara a tela do notebook em silêncio por um minuto inteiro. Depois de um suspiro profundo, encara-a por cima dos óculos.
_ Como você está, Milena?
_ Bem _ Ela responde, mas não tem certeza se sua voz chega a sair.
_ E a sua mãe?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Certo como Murphy (COMPLETO)
RomansaVocê acredita em azar? Para a Milena de 18 anos de idade, enquanto filha do rico e poderoso Jorge Zanella, a resposta poderia ser resumida num simples e bem direto: "o quê, tá falando sério?" Por sua vez, para a Milena falida e injustiçada de 24 ano...