11. O último recurso nem sempre é o último

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Mile abana o excesso de perfume no ar, olhando para o próprio reflexo no espelho da penteadeira.

Duas esguichadas de Guerlain é um verdadeiro exagero. Ela pensa, temendo que possa ser um sinal errado para Freddy.

Buscar o equilíbrio na aparência é certamente o primeiro desafio da noite. Não quer parecer arrumada demais, já que não pode despertar a falsa sensação de que está interessada nele. Mas não também não pode vestir qualquer coisa e arriscar parecer estar desdenhando dele.

Deve ser bem clara na mensagem: Não estou preparada para me relacionar agora. Mas poderia me interessar por um homem com você, em outro contexto. Você é interessante. Então, eu sinto muito se não posso te corresponder agora...

Vestido preto de mangas 3/4. Uma demão fina de base-pó. Máscara marrom. Batom nude. Cabelos escovados com as pontas para dentro. Mile se avalia na frente do espelho.

_ É. Eu acho que... é... 

***

Um pouco antes de sair, cola uns cinco bilhetes pela casa com o nome do restaurante e do endereço onde vai se encontrar com Freddy.  Um sinal bem claro do seu paradeiro essa noite. Mensagens por celular não é um boa ideia, já que Elza não raramente o esquece num canto, descarregado. 

No caminho, enquanto dirige, ensaia umas expressões para convencê-lo das suas palavras. Não é a melhor pessoa para atuar. E de repente, odeia o fato de ter de despender tanta energia para convencer um riquinho obsessivo e egocêntrico de que não vai sair com ele.

_ Emily? _ Mile atende o celular.

_ Você está dirigindo?

_ É. Eu...

_ Algum lugar que eu deva ir também?

_ Hã? Não. Digo, pode ser, se quiser. Uma reuniãozinha com o pessoal do asilo. Coisa rápida _ Mente.

_ Oh. Asilo? Não. Obrigada!

_ E aí, conseguiu falar com o Rony?

Mais cedo, Mile teve que apelar para Emily para saber notícias do amigo, que simplesmente sumiu desde a noite do jantar da Polon.

_ Ele está estudando para a prova  de transferência. Não sei por que ele faz isso, se a vaga já é dele. Enfim... o celular está desligado. Eu fui lá hoje cedo e quase fui expulsa.

Mile sente-se aliviada por não ser um problema pessoal. Mas por outro lado, como sempre, o peito se espreme com a possibilidade de ele ser transferido para os EUA.

Como se não bastasse a iminente remoção forçada de Emily e tudo mais que anda acontecendo, tem que lidar com o angustiante empenho de Rony para ir embora também.

Talvez essa seja a razão por que a voz de Emily não parece nada bem. Mas o quão mal ela está? Isso Mile não ainda não sabe. Tem sido uma péssima amiga. E infelizmente, não está preparada para dar bons conselhos agora.

Um pouco de trégua é pedir muito, Deus? Mile implora em pensamento, minutos depois, quando se vê obrigada a interromper a conversa com Emily sobre o péssimo Inglês de Rony.

Desliga o celular depois de uns beijos na tela.

Um homem gordo de bigode está se aproximando. Usa um dólmã branco com botões azul-claros. Mile desliga o carro, que já está estacionado na extensão coberta do MarAngelus, o prédio espelhado num tom profundo de azul, onde fica instalado um fino restaurante de frutos do mar.

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora