3. Dois minutos nem é traição

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O homem que está do outro lado do balcão revira a sacola de roupas com suas mãos grandes e brutas.

Depois de quase dois minutos, investigando cada detalhe das costuras, faz um sinal para que Mile o acompanhe. Ela atravessa a catraca e já entra num corredor de paredes azuis, nalguns pontos descascados até o concreto. Elza está na saleta ao fundo, sentada numa cadeira, de frente a uma mesa bege encardida. Há um policial aposto num canto, a mão depositada no coldre. Pisca lentamente, volta e meia virando os olhos na direção da mesa.

O homem entrega a sacola para Elza e depois some no corredor.

Mile não pode abraçá-la, embora esteja a um triz de fazer isso. Foi advertida de algumas coisas, uma delas é a proibição de contato físico. Mas Elza não parece tão feliz em vê-la. Examina dentro da sacola. Leva um tempo longo demais para isso, como se, no fundo, estivesse com vergonha de olhar no rosto da filha.

A pele de mulher está brilhosa. É uma semana bem quente para inverno. Em dias assim, tomaria pelo menos três banhos para combater a oleosidade excessiva. 

_ Pode ir agora _ A Elza diz, sorrindo de um jeito que deixa bem claro seu esforço para mostrar que está tudo bem.

_ Ainda tenho quinze minutos.

Confere o relógio.

_ Não começa trabalhar às 8h?

_ Por isso mesmo. São 7h35 agora. Levo dez minutos para chegar na Juscelino.

_ É, mas...

_ Eu sei o que estou fazendo, mãe _ Ela a interrompe, meio irritada, abafando-se da chama súbita que se instalou no pescoço.

_ Tá. 

O silêncio. 

 _ Recolheu a manta no varal? _ Elza pergunta. 

_ Sim.

_ Você dormiu bem?

_ Sim _ Mente.

_ A dona Rosa apareceu em casa ontem à tarde?

_ Não.

Na verdade, Mile não sabe. Não sabe porque voltou para casa em torno das 21h, depois de correr loucamente uns 15km em torno do bosque. Uma tentativa inexitosa de dissolver as lembranças da proposta insana do Nathan. Em que momento da vida o convenceu de que é puta? Como pôde...?  Rumina. 

Foco! Inculca, abanando os neurônios.

_ E Úrsula. Você a avisou? _ Elza pergunta.

A saliva desce queimando a garganta de Mile. As pontas dos pés começam a sapatear no taco de madeira, enquanto ela luta para invocar as dezenas de frases que elegeu para responder a esta pergunta. 

Elza levanta os olhos para ela, obrigando seu coração a se torcer.

A moça engole em seco.

_ Ainda não _ Mente de novo. _ Pretendo mandar mensagem assim que eu chegar à empresa.

_ Você está enrolando!

_ Poder ser. Talvez porque eu não quero nada que venha dela. Talvez porque eu esteja buscando uma solução melhor, mais digna. 

_ E encontrou?

_ Sim.

Ela pisca mais do que o normal, porque pode ser que não esteja sendo tão sincera assim, de novo.  

_ Visitei um advogado público ontem _ Ela conta. _ Só li coisas boas sobre a instituição.

Na verdade, leu muitos elogios na internet sobre o trabalho da defensoria pública na cidade. Estava assustada demais no outro dia para reconhecer que também se tratava de uma opção válida. O problema é o excesso de serviço que andam enfrentando, desde fevereiro, por causa do misterioso boom de crimes contra o patrimônio na cidade. Uma informação que certamente não lhe importaria em dias normais.  

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora