Epílogo

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Há quem diga que os trinta é a idade da libertação, a idade da independência financeira e do autoconhecimento. Há que diga que é a idade que finalmente se aprende a se vestir conforme o formato do corpo e, principalmente, a idade em que se entende que o blush exagerado é o pecado mais mortal que existe.

Só que para Mile, os trinta é a idade dos primeiros cabelos brancos, da primeira linha de expressão permanente e especialmente da desaceleração abrupta do metabolismo. Também é a idade que descobriu que a ambição financeira pode suprir muitos aspectos da vida. Mas foi um pouco antes disso, aos vinte e oito anos, que começou o próprio negócio: um restaurante especializado em comida holandesa, quando decidiu presentear a cidade de Maringá com as artimanhas culinárias aprendidas com a poderosa e talentosa tia Mona.

Agora, neste exato momento, Mile está sentada à mesa do próprio restaurante, numa noite fria de quinta-feira, ouvindo Elza contar à Emily e à Jade sobre os avanços da inteligência artificial no desenvolvimento de fragrâncias, o que permitiu ao negócio de Úrsula crescer 235% no último semestre.

Todos falam alto na mesa, já que os clientes já foram embora e as três funcionárias  começaram a limpeza. Falam alto, exceto o rapaz sentado à ponta, que é o tipo que só se manifesta quando diretamente acionado. E o que ele tem de quieto, tem de lindo. Sim, ele é absolutamente lindo: pele negra de tom frio, alto, olhos grandes e cílios volumosos. De quebra, é médico cardiologista.

Assim que Elza se levanta para ir embora, sob o argumento de que são onze da noite e de que vai precisar pegar o avião cedo amanhã para São Paulo, ele a cumprimenta em pé, como um cavalheiro. E depois pede licença para ir ao banheiro.

Quando as três mulheres ficam sozinhas, Emily inclina-se, fazendo um corredor na boca com as mãos.

_ O que acharam dele?

Bem, essa é a pergunta que Emily mais costumava fazer à época que Mile voltou dos EUA, há dois anos e meio. A maior parte delas por vídeo chamada, após compartilhar a foto do pretendente. Mas agora, parece que é diferente, já que se tornou noiva do belo e delicioso homem há algumas semanas.

_ Ele é divino _ Mile desabafa, bebendo um pouco de uísque.

_ Divino? Ele é um médico cardiologista, deve haver uma definição melhor para ele! _ Jade brinca, a boca vermelha e carnuda abrindo-se como se estivesse disposta a engoli-lo.

Mile conheceu Jade o ano passado. Foi através dela que descobriu que existem pessoas tão imaturas, instáveis e espontâneas quanto si mesma nessa face da terra. Poderia jurar que são cópias uma da outra se não fosse a discrepância absoluta na aparência e na inteligência. Jade é uma jovem engenheira civil, cruelmente linda: pele dourada, cabelos volumosos e pretos, um corpo que imita precisamente o formato de uma ampulheta.

_ Sim, há uma definição melhor em vista, queridas amigas: "meu marido" _ Emily revela.

_ Marido? Meu Deus! _ Jade suspira.

_ É. É sim. Em quatro meses _ Emily conta, excitada.

Tira dois convites da bolsa, explicando que o de Elza vai entregar pessoalmente, já que não sabia que ela viria hoje e não trouxe o dela.

Então, sob os protestos escandalosos por maiores detalhes, Emily verga-se um pouco para exibir as fotos dos arranjos de flores e do bolo que tem em mente.

Mesmo absolutamente feliz pela amiga, Mile abastece o próprio copo com mais uísque, espiando a tela do celular dela. Vai precisar de um pouco mais de álcool para lidar com a situação, já que em algum momento, Emily certamente vai tentar mudar sua opinião sobre a breguice do matrimônio. Vai tentar convencê-la de como é importante o ritual do casamento para a relação amorosa: o vestido branco de princesa varrendo uns pedaços de flores sobre um tapete vermelho... um padre blasfemando a santidade de amor, exultando a insana teoria  de que a monogamia é uma dádiva dos céus...

Certo como Murphy (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora